Preciso de escrever...
Não sei porque decidiste aparecer hoje à noite, no sonho. Não devias. Apanhaste-me distraída e fizeste-me sorrir. Descaí-me. Não devias ter aparecido, não te tinha convidado. Talvez quisesse a tua companhia, mas não ali. Tenho medo dos meus sonhos, podem-me mostrar coisas que não quero saber, coisas que, acordada, vou evitando. Descansa, ainda sei o que quero (neste caso, o que não quero...), mas se voltares a aparecer assim, tão naturalmente, receio ficar confusa. Não posso deixar que isso aconteça. Não voltes a aparecer, não me faças mais sorrir de olhos fechados.
naoqueronaoqueronaoqueronaoqueronaoquero .
Estamos bem assim, não estamos? Então não venhas cá complicar. Até logo.
[E tu que lês, espero que não estejas a sorrir... Nem que me sorrias por causa disto... Já me chega o outro sorriso...]
domingo, novembro 28, 2004
domingo, novembro 14, 2004
A minha dor de cabeça
O tiritar do despertador acorda-me
E a minha dor-de-cabeça dá-me os bons dias
O frio trepa pelas minhas costas
E a rua berra por um cigarro
Os encontrões levam-me para dentro
Onde o zumbido das luzes permanece
Toda a tarde
A mulher não se cala
Já não a oiço há oito minutos
Fecho os olhos e os sentidos
Mas o mundo continua a rodopiar(-me)
O almoço está frio, não sabe a nada
Assim como esta correria
O menino tropeçou e caiu,
Mas não teve tempo de chorar
O fumo persegue-me até casa
Para onde corro em desespero
E mesmo de porta trancada,
no silêncio,
Todo o deboche me sacode
Nem deitada deixo de ouvir o sino
E no meio de tudo isto,
O que menos me incomoda
São as tuas canções
Em dó maior
O tiritar do despertador acorda-me
E a minha dor-de-cabeça dá-me os bons dias
O frio trepa pelas minhas costas
E a rua berra por um cigarro
Os encontrões levam-me para dentro
Onde o zumbido das luzes permanece
Toda a tarde
A mulher não se cala
Já não a oiço há oito minutos
Fecho os olhos e os sentidos
Mas o mundo continua a rodopiar(-me)
O almoço está frio, não sabe a nada
Assim como esta correria
O menino tropeçou e caiu,
Mas não teve tempo de chorar
O fumo persegue-me até casa
Para onde corro em desespero
E mesmo de porta trancada,
no silêncio,
Todo o deboche me sacode
Nem deitada deixo de ouvir o sino
E no meio de tudo isto,
O que menos me incomoda
São as tuas canções
Em dó maior
quinta-feira, outubro 28, 2004
Perdi-me, de novo. Desta vez trouxe-te comigo. Deixámos de ser aquilo que alguma vez sonhámos ter sido. O corpo abandonou-nos, recusou a nossa ingratidão. Não faço ideia onde nos veio deixar nem sei o que sobrou de mim, não encontro nenhum espelho hipocrita por aqui. Só compreendo o frio e a luz que nos provoca. Não sinto o meu corpo, afinal sempre me abandonou, não sei o que me define e limita. Talvez seja esta a libertação que sempre lhe implorei, mas não sabe a vitória. Sabe a desamparo. Não tenho lábios para sorrir, mãos para tocar, gestos para dançar. Não sei o que me resta. Desculpa, não queria que me visses assim, afinal, inexistente. Desculpa-me por te ter trazido, mas não te conseguia largar. Foste o meu não-corpo. Agora, reparo em ti, vejo-te atordoada, caída, com o teu olhar fixo no nada onde surgimos - sim, o olhar ficou connosco, ao menos isso, porque também faz parte desta alma que nos resta - . Não te queres mover, não me queres fitar. Sabes que estou aqui, sempre estibe, mas hoje vais-me envergonhar com a tua indiferença perante o meu arrependimento. Quero abraçar-te, envolver-te, arrepender-me novamente com um suspiro no teu ouvido. Mas não temos corpos para que o sintas e eu ainda não sei lidar com o facto de não ser matéria. "Olha para mim." imploro-te, esta distância que nunca tivemos destroi-me. Lentamente, ergues o olhar para mim, fixas-me, encontras-me (e eu que estava perdida) e, passado um largo momento em que me lamentas, dizes, na tua voz inaudível mas certa: "Chegámos".
quinta-feira, setembro 30, 2004
(Os textos seguintes foram escritos no workshop de Escrita Criativa a que tive o prazer de ir em Agosto. Aconselho a todos a experimentarem porque qualquer um consegue escrever textos bonitos e interessantes, como tive a oportunidade de aprender lá.)
Escrever bem é deixar fluir o pensamento, deixá-lo pousar delicadamente no papel, escorregando pela tinta, ou grafite, com que o escritor se sente livre. Escrever bem é não pensar em regras, não pensar em leitores, nas suas opiniões e reacções à escrita, é simplesmente escrever. Não interessa tanto o bem da escrita que se faz, mas, muito mais importante, o bem que a escrita nos faz.
Escrever bem é libertar-se, é deixar sair de nós tudo o que nos alegra, o que nos entristece, os medos, as dúvidas, as angústias, as vergonhas, as diferenças. É deixar de ser apenas um corpo com pensamentos mas ser mais do que isso, ser papel, ser palavras, ser tinta, ser a própria escrita. É empenhar todo o amor, toda a força, todo o sentimento que nos move nas palavras que se escreve, elas que nos borbulham dentro da cabeça, deixá-las sair para que novas palavras nos encham de novo.
Sofia, leva-me para tua casa porque sou diferente e bem sabes como gostas de diversidade. Não me acomodo num só sítio e poderás desfrutar da minha companhia quando e onde quiseres, sou bastante flexível. Não faço muito ruído se precisares de silêncio mas não te deixarei adormecer profundamente. Posso rir-me histericamente das tuas piadas mas nunca te farei sentir embaraçada com elas. Vou conversar contigo sobre filosofia mas não te vou maçar com perguntas. Vou comentar contigo as fofoquices que ouvimos mas não nos deixarei cair no ridículo. Vou dançar contigo sobre as nossas camas mas com cuidado para não incomodarmos os vizinhos. Vamos chorar juntas se houver ocasião para isso mas não te deixarei isolar na tua amargura. Vou partilhar silêncios contigo. Serei a tua companhia se precisares e ausência se quiseres saborear um pouco de solidão. E, se me levares contigo para tua casa, hei-de te mostrar o que conheço e reaprenderei tudo de novo contigo, se me quiseres ensinar. Mas, por favor, Sofia, não me deixes aqui porque aqui tudo é igual e bem sei o quanto odeio a monotonia.
Escrever bem é deixar fluir o pensamento, deixá-lo pousar delicadamente no papel, escorregando pela tinta, ou grafite, com que o escritor se sente livre. Escrever bem é não pensar em regras, não pensar em leitores, nas suas opiniões e reacções à escrita, é simplesmente escrever. Não interessa tanto o bem da escrita que se faz, mas, muito mais importante, o bem que a escrita nos faz.
Escrever bem é libertar-se, é deixar sair de nós tudo o que nos alegra, o que nos entristece, os medos, as dúvidas, as angústias, as vergonhas, as diferenças. É deixar de ser apenas um corpo com pensamentos mas ser mais do que isso, ser papel, ser palavras, ser tinta, ser a própria escrita. É empenhar todo o amor, toda a força, todo o sentimento que nos move nas palavras que se escreve, elas que nos borbulham dentro da cabeça, deixá-las sair para que novas palavras nos encham de novo.
Sofia, leva-me para tua casa porque sou diferente e bem sabes como gostas de diversidade. Não me acomodo num só sítio e poderás desfrutar da minha companhia quando e onde quiseres, sou bastante flexível. Não faço muito ruído se precisares de silêncio mas não te deixarei adormecer profundamente. Posso rir-me histericamente das tuas piadas mas nunca te farei sentir embaraçada com elas. Vou conversar contigo sobre filosofia mas não te vou maçar com perguntas. Vou comentar contigo as fofoquices que ouvimos mas não nos deixarei cair no ridículo. Vou dançar contigo sobre as nossas camas mas com cuidado para não incomodarmos os vizinhos. Vamos chorar juntas se houver ocasião para isso mas não te deixarei isolar na tua amargura. Vou partilhar silêncios contigo. Serei a tua companhia se precisares e ausência se quiseres saborear um pouco de solidão. E, se me levares contigo para tua casa, hei-de te mostrar o que conheço e reaprenderei tudo de novo contigo, se me quiseres ensinar. Mas, por favor, Sofia, não me deixes aqui porque aqui tudo é igual e bem sei o quanto odeio a monotonia.
quarta-feira, setembro 22, 2004
Epa... Ando a escrever muito sobre política e o mundo lá fora. Estou a mudar o blog! Espero que não vos incomode muito,mas tenho mais uma questão a apontar.
Acho que é compreensível que, no dia de hoje, comente um pouco sobre a minha, nossa situação neste "regresso" às aulas. É muito estranho para mim ouvir falar em início de aulas quando ainda estou de férias. Ainda ontem, não fazia ideia qual era a minha turma. Como é que posso imaginar alguém a ter aulas? Ou a ir apenas à escola para ter furos/feriados (chamem-lhe o que quiserem).
Interessada como sou (às vezes...), estive atenta a parte do debate na rtp1 sobre este regresso às aulas. A nossa ministra esteve lá, assim como alguns outros políticos, professores, alunos. Fiquei decepcionada com alguns comentários por serem demasiado comestíveis, comerciais, i.e., certas entidades limitaram-se a dizer aquilo que nós, em casa, já esperavamos ouvir. Isso não vale de muito, meus senhores, tudo isso já foi dito. Já sabemos que o sistema informático não funcionou. O que eu acho completamente compreensível; é um sistema novo, é natural que ocorram erros. Não desculpo os exagerados atrasos porque, apesar de compreender os erros encontrados ao longo do processo, não aceito que não tenham sido previstos e prevenidos, no sentido de se iniciar a colocação de professores com atecedência, prevendo todos estes atrasos. Ninguém sabia quantos erros informáticos apareceriam neste novo sistema. Não sejam tão severos. Há muita gente a trabalhar para que tudo esteja pronto a horas (o que não aconteceu) mas não vamos cair em cima daqueles que durante meses não pararam, que deram fins-de-semana, horas extra e quem sabe o que mais para tratar de tudo isto. Todos vimos no que deu, não vale a pena voltar a falar do assunto, não é por criticarmos que as coisas vão andar mais depressa. Talvez se, em vez das criticas tão severas, nos deleitassem com alternativas eficazes. Para dizer mal, já temos muita gente.
Outra coisa que não compreendo é andarem já a exigir a demissão da ministra. Ela acabou de chegar... A culpa não é só dela. É de todo um conjunto, não é a demissão da ministra que fará a lista de colocados sair mais depressa. Tenham calma, deixem-na cometer mais erros e só nessa altura deverão preocupar-se com a sua demissão. Para já, na minha humilde opinião, é uma ideia sem sentido.
A minha maior preocupação neste momento, a este nível, são as minhas aulas. Têm-se esquecido muitas vezes os próprios alunos em todo o debate. Estou no 12º ano, vou ter exames em Junho. Tenho matéria para aprender. Todos os anos oiço os professores queixarem-se da falta de tempo para darem todo o programa até à data prevista, deixam por vezes matéria para o ano seguinte. Mas, desta vez, não há ano seguinte. Há exames e são os exames que me preocupam. São os exames que nos vão decidir o próximo ano. Em vez de questionarem a nossa ministra se pensa na sua demissão, perguntem se já considerou adiar as datas dos exames de forma a que este atraso na colocação dos professores não prejudique tanto os alunos do secundário.
Foi curioso ver os alunos que foram entrevistados no debate. Um pertencente ao ensino privado e outro ao público, já tendo passado também pelo privado. "Surfistas" de Lisboa/Cascais, como a própria jornalista os descreveu. Estavam ambos felizes pelo ensino que recebiam. Mas acredito que seria também interessante entrevistarem alunos de escolas fora de Lisboa. E, uma sugestão, deixem os alunos participarem no debate. Temos os professores, os políticos, temos todos a dar a sua opinião à excepção dos alunos, o objectivo/alvo de todo o Ensino e Educação. Não temos nós uma palavra a dizer sobre o assunto? Ninguém me perguntou nada, mas eu tomei a liberdade de expressar a minha opinião.
Comentem este post, deêm a vossa opinião. Qualquer que seja. Está aberto o debate.
(desculpem o longo post)
Acho que é compreensível que, no dia de hoje, comente um pouco sobre a minha, nossa situação neste "regresso" às aulas. É muito estranho para mim ouvir falar em início de aulas quando ainda estou de férias. Ainda ontem, não fazia ideia qual era a minha turma. Como é que posso imaginar alguém a ter aulas? Ou a ir apenas à escola para ter furos/feriados (chamem-lhe o que quiserem).
Interessada como sou (às vezes...), estive atenta a parte do debate na rtp1 sobre este regresso às aulas. A nossa ministra esteve lá, assim como alguns outros políticos, professores, alunos. Fiquei decepcionada com alguns comentários por serem demasiado comestíveis, comerciais, i.e., certas entidades limitaram-se a dizer aquilo que nós, em casa, já esperavamos ouvir. Isso não vale de muito, meus senhores, tudo isso já foi dito. Já sabemos que o sistema informático não funcionou. O que eu acho completamente compreensível; é um sistema novo, é natural que ocorram erros. Não desculpo os exagerados atrasos porque, apesar de compreender os erros encontrados ao longo do processo, não aceito que não tenham sido previstos e prevenidos, no sentido de se iniciar a colocação de professores com atecedência, prevendo todos estes atrasos. Ninguém sabia quantos erros informáticos apareceriam neste novo sistema. Não sejam tão severos. Há muita gente a trabalhar para que tudo esteja pronto a horas (o que não aconteceu) mas não vamos cair em cima daqueles que durante meses não pararam, que deram fins-de-semana, horas extra e quem sabe o que mais para tratar de tudo isto. Todos vimos no que deu, não vale a pena voltar a falar do assunto, não é por criticarmos que as coisas vão andar mais depressa. Talvez se, em vez das criticas tão severas, nos deleitassem com alternativas eficazes. Para dizer mal, já temos muita gente.
Outra coisa que não compreendo é andarem já a exigir a demissão da ministra. Ela acabou de chegar... A culpa não é só dela. É de todo um conjunto, não é a demissão da ministra que fará a lista de colocados sair mais depressa. Tenham calma, deixem-na cometer mais erros e só nessa altura deverão preocupar-se com a sua demissão. Para já, na minha humilde opinião, é uma ideia sem sentido.
A minha maior preocupação neste momento, a este nível, são as minhas aulas. Têm-se esquecido muitas vezes os próprios alunos em todo o debate. Estou no 12º ano, vou ter exames em Junho. Tenho matéria para aprender. Todos os anos oiço os professores queixarem-se da falta de tempo para darem todo o programa até à data prevista, deixam por vezes matéria para o ano seguinte. Mas, desta vez, não há ano seguinte. Há exames e são os exames que me preocupam. São os exames que nos vão decidir o próximo ano. Em vez de questionarem a nossa ministra se pensa na sua demissão, perguntem se já considerou adiar as datas dos exames de forma a que este atraso na colocação dos professores não prejudique tanto os alunos do secundário.
Foi curioso ver os alunos que foram entrevistados no debate. Um pertencente ao ensino privado e outro ao público, já tendo passado também pelo privado. "Surfistas" de Lisboa/Cascais, como a própria jornalista os descreveu. Estavam ambos felizes pelo ensino que recebiam. Mas acredito que seria também interessante entrevistarem alunos de escolas fora de Lisboa. E, uma sugestão, deixem os alunos participarem no debate. Temos os professores, os políticos, temos todos a dar a sua opinião à excepção dos alunos, o objectivo/alvo de todo o Ensino e Educação. Não temos nós uma palavra a dizer sobre o assunto? Ninguém me perguntou nada, mas eu tomei a liberdade de expressar a minha opinião.
Comentem este post, deêm a vossa opinião. Qualquer que seja. Está aberto o debate.
(desculpem o longo post)
terça-feira, setembro 21, 2004
Hoje de manhã, quando encontrei "Sic 10 Horas" no meu constante zapping, parei para tomar atenção a um polícia que contava as últimas novidades sobre o caso da menina de 8 anos desaparecida há já uma semana. Quando soube inicialmente da notícia fiquei a pensar para mim o martírio de todas as noites dos pais que não sabem da filha, se está viva, se morta, bem ou mal. Como será imaginar uma filha naquele momento noutro local qualquer sem que ninguém saiba? Se eu já fico doente com o desaparecimento do meu telemóvel, ou da minha mala, ou do que quer que seja relativamente insignificante, não consigo sequer imaginar a aflição de um pai cujo filho está desaparecido. Mas não é este ponto que queria focar.
O que me prendeu mais a esta história foi a revelação que aquele polícia nos deu. Ao que tudo indica, a mãe, juntamente com o padrasto, vendeu a sua filha a um casal alemão para que a pequena Joana fosse viver com eles. Foi, portanto, levada com a polícia, algemada. Até se apurar a verdade.
A população está indignada. Foi a população, e não a própria mãe, que iniciou as buscas. Foi a população que deu por falta da menina. Pelo que foi dito, certa vez, quando a menina ficou doente, foi a senhora do supermercado que a levou ao hospital, e não a mãe. Contaram-se coisas que nunca me tinham passado pela cabeça (mesmo que, quando vi pela primeira vez a mãe a falar na televisão, não lhe ter encontrado a preocupação que esperava de qualquer mãe...).
Falou-se, então, do crime supostamente cometido pela mãe da menina. E, para o cúmulo, a venda da sua filha não é crime em Portugal. Mas... como é que isso é possível?! Bem, pelo que foi explicado pelo tal polícia, não é crime vender uma criança em Portugal, só o será caso seja para abuso sexual ou escravidão.
Pensem o que quiserem. Só vos digo que quando penso nisto, volto a recordar-me do que escrevi no post anterior, sobre o tráfico de crianças, e pergunto-me se tudo isto não andará à volta do mesmo. Pensem o que quiserem...
O que me prendeu mais a esta história foi a revelação que aquele polícia nos deu. Ao que tudo indica, a mãe, juntamente com o padrasto, vendeu a sua filha a um casal alemão para que a pequena Joana fosse viver com eles. Foi, portanto, levada com a polícia, algemada. Até se apurar a verdade.
A população está indignada. Foi a população, e não a própria mãe, que iniciou as buscas. Foi a população que deu por falta da menina. Pelo que foi dito, certa vez, quando a menina ficou doente, foi a senhora do supermercado que a levou ao hospital, e não a mãe. Contaram-se coisas que nunca me tinham passado pela cabeça (mesmo que, quando vi pela primeira vez a mãe a falar na televisão, não lhe ter encontrado a preocupação que esperava de qualquer mãe...).
Falou-se, então, do crime supostamente cometido pela mãe da menina. E, para o cúmulo, a venda da sua filha não é crime em Portugal. Mas... como é que isso é possível?! Bem, pelo que foi explicado pelo tal polícia, não é crime vender uma criança em Portugal, só o será caso seja para abuso sexual ou escravidão.
Pensem o que quiserem. Só vos digo que quando penso nisto, volto a recordar-me do que escrevi no post anterior, sobre o tráfico de crianças, e pergunto-me se tudo isto não andará à volta do mesmo. Pensem o que quiserem...
sábado, setembro 04, 2004
Eu não consigo estar mais calada. Nem sei como alguém consegue. Será que não viram televisão ontem? Não sabem o que aconteceu na Rússia? Não vos choca? Porque se conformam? Já se contam 500 mortos, metade deles crianças. Como é possível brincarem com as vidas daquelas crianças? Não consigo compreender o terrorismo, não consigo aceitar que um grupo de pessoas, que come, dorme, veste-se, vive, se apodere de uma escola e provoque tantas mortes de crianças. Crianças... Aquelas caras, aqueles olhos. Valeu a pena? O que mudou? Mudou um pouco de mim. Mas não era esse o objectivo principal, pois não?
Ontem estive com mais atenção aos noticiários da noite. Não gosto dos telejornais portugueses, que preferem galinhas só com uma pata do que notícias realmente interessantes e importantes. Mas hoje não pude deixar de ver. No fim de um noticiário, o pivôt relembra toda a tragédia da Chechénia, mostram-se imagens das crianças feridas, das mães deitadas sobre o cadáver dos filhos, pais a chorar, enfim, toda a tragédia. E, para finalizar, o pivôt despede-se com "Resta-me desejar-lhe um bom fim-de-semana". UM QUÊ?? Agora?!?! Depois destas imagens, destes factos, deste terror, quer que eu tenha um BOM fim-de-semana?!? Hipócrita! Qual é a alma que consegue dormir sem pensar nisto, sem se sentir impotente perante os acontecimentos. Nada disto se justificava, mas o que estava nas nossas mãos que pudesse ser evitado? Não consigo sonhar com coisas bonitas hoje. Quem consegue?
Também ontem soube que existia tráfico de crianças em Portugal. Sabiam? Pelos vistos até há bastante gente a saber. E porque se calam? Porque me dizem "Não sabias?! Ainda não tinhas percebido?"? Não sabia, não, e fiquei desolada quando soube. E, pergunto eu agora, se já sabiam, porque é que ninguém faz nada? Porque se limitam a estar calados, a contar aos outros que já sabiam?? Eu não me quero calar, não me quero conformar com o facto de 150 crianças serem abandonadas por ano num unico hospital, recém-nascidas, e não se saber exactamente para onde vão. Realmente, como é que as mães conseguem sair do hospital sem as crianças, não seria tão fácil localizá-las e entregar as crianças?? Negócio nos hospitais públicos? E a quantidade de crianças em condições de serem adoptadas, a quantidade de famílias a quererem adoptar e a lentidão dos processos para a adopção? Não posso acreditar que seja mesmo verdade, pois não?... Somos da União Europeia. Já deviamos ter um pouco mais de juízo. Ah, e mais. Sobre o aborto. Alguém sabe efectivamente qual é a nossa lei sobre o aborto? Pelos vistos, é igual à espanhola que diz que se a gravidez provocar problemas psicológicos à mulher, o aborto torna-se legal. Então porque é que os médicos espanhois aceitam os problemas psicologicos de uma mulher que quer abortar e os médicos portugueses não? Mais um esquema do tal negócio?? Eles querem as crianças? Os nossos médicos?!? Estou aterrorizada mas não me quero calar. Não sei ainda bem o que vou fazer mas não me consigo conformar com isto, com isto não, já foi longe demais. Estou farta de ser ingénua e impotente. Uma voz pode fazer muito, ao menos deixem-me acreditar nisso.
Alguém está comigo?...
Ontem estive com mais atenção aos noticiários da noite. Não gosto dos telejornais portugueses, que preferem galinhas só com uma pata do que notícias realmente interessantes e importantes. Mas hoje não pude deixar de ver. No fim de um noticiário, o pivôt relembra toda a tragédia da Chechénia, mostram-se imagens das crianças feridas, das mães deitadas sobre o cadáver dos filhos, pais a chorar, enfim, toda a tragédia. E, para finalizar, o pivôt despede-se com "Resta-me desejar-lhe um bom fim-de-semana". UM QUÊ?? Agora?!?! Depois destas imagens, destes factos, deste terror, quer que eu tenha um BOM fim-de-semana?!? Hipócrita! Qual é a alma que consegue dormir sem pensar nisto, sem se sentir impotente perante os acontecimentos. Nada disto se justificava, mas o que estava nas nossas mãos que pudesse ser evitado? Não consigo sonhar com coisas bonitas hoje. Quem consegue?
Também ontem soube que existia tráfico de crianças em Portugal. Sabiam? Pelos vistos até há bastante gente a saber. E porque se calam? Porque me dizem "Não sabias?! Ainda não tinhas percebido?"? Não sabia, não, e fiquei desolada quando soube. E, pergunto eu agora, se já sabiam, porque é que ninguém faz nada? Porque se limitam a estar calados, a contar aos outros que já sabiam?? Eu não me quero calar, não me quero conformar com o facto de 150 crianças serem abandonadas por ano num unico hospital, recém-nascidas, e não se saber exactamente para onde vão. Realmente, como é que as mães conseguem sair do hospital sem as crianças, não seria tão fácil localizá-las e entregar as crianças?? Negócio nos hospitais públicos? E a quantidade de crianças em condições de serem adoptadas, a quantidade de famílias a quererem adoptar e a lentidão dos processos para a adopção? Não posso acreditar que seja mesmo verdade, pois não?... Somos da União Europeia. Já deviamos ter um pouco mais de juízo. Ah, e mais. Sobre o aborto. Alguém sabe efectivamente qual é a nossa lei sobre o aborto? Pelos vistos, é igual à espanhola que diz que se a gravidez provocar problemas psicológicos à mulher, o aborto torna-se legal. Então porque é que os médicos espanhois aceitam os problemas psicologicos de uma mulher que quer abortar e os médicos portugueses não? Mais um esquema do tal negócio?? Eles querem as crianças? Os nossos médicos?!? Estou aterrorizada mas não me quero calar. Não sei ainda bem o que vou fazer mas não me consigo conformar com isto, com isto não, já foi longe demais. Estou farta de ser ingénua e impotente. Uma voz pode fazer muito, ao menos deixem-me acreditar nisso.
Alguém está comigo?...
quinta-feira, setembro 02, 2004
Só chegaste agora... Devias ter chegado um pouco antes. Agora já não sei o que te dizer. Sabes, estive aqui tempos sozinha, esperando-te. É curioso como as pessoas que passavam por mim várias vezes, cada vez com mais compras, olhavam-me com pena, com medo também. Detesto cruzar-me com gente conhecida quando estou sozinha. Não quis parar num sitio. Isso não podia ser, só mostrava a minha impaciência. Andei por todas aquelas ruas, fingindo ter um lugar para ir, evitando passar na mesma rua mais que duas vezes. Uma vez, parei numa loja. Entrei. Passeei-me por lá, vendo ao promenor o que vendiam, mesmo sem estar minimamente interessada. Devo ter demorado demasiado tempo, mais do que um normal comprador necessita, porque um funcionário da loja olhou tantas vezes para mim que teve mesmo de me vir perguntar se precisava de ajuda. Disse que não, obrigada. Saí passado pouco tempo, já me tornara suspeita. Percorri todos os lugares por onde podia ir e voltei ao ponto de partida onde tu ainda não estavas. Sentei onde antes estivera sentado um mendigo. Vê lá, até ele tem outro sitio para onde ir. Pensei e repensei em tudo o que te tinha para dizer. Todos essas ideias, essas confusões rebolavam na minha cabeça, pedindo ordem e libertação. E eu ia libertá-las contigo, extrair tudo, deixar-me esvaziar totalmente. Ia ficar exausta. Ia dar-te o poder de me destruir ou de me salvares. Terias tudo para isso. Mas tanto revolvi na minha cabeça, tanto arrumei para te mostrar que se tornou ridiculo. Como quando repetes uma palavra tantas vezes que, no fim, já não te recordas do que significa. Já não ia significar nada. A conversa que iamos ter já tinha sido totalmente imaginada na minha cabeça, todas as conversas possiveis, e jáo não conseguiria improvisar mais. Só chegaste agora, e agora já não tenho mais nada para te dizer. Talvez tenhas tu mais uma palavra para eu ouvir.
Sabes quando ouves uma música e te sentes apaixonado? Mesmo sem pensares em ninguém. Quando a música te pede para chorares, a voz triste que pede um acompanhamento. E sentes-te bem quando choras. Quando deixas que a música te leve. Sabes essa sensação? A música não é só ruído, não. É tanto sentimento. Não ouves, naquela guitarra delirante, na distorção que usa, nos acordes, nas notas, nos dedilhados, na raiva com que toca, na tristeza com que brinca com as cordas? E a voz, não a ouves, vinda mesmo lá de dentro, chorando palavras e gritos de esperança, de desilusão, de amor? Será que canta para alguém? Ou simplesmente canta para aquela música que a fez apaixonar, como a mim me faz? Conseguia escrever uma carta de amor sem amar ninguém. Bastava ouvir aquela música. Sabes qual é, não sabes? Queres... ouvi-la comigo?
Sabes quando ouves uma música e te sentes apaixonado? Mesmo sem pensares em ninguém. Quando a música te pede para chorares, a voz triste que pede um acompanhamento. E sentes-te bem quando choras. Quando deixas que a música te leve. Sabes essa sensação? A música não é só ruído, não. É tanto sentimento. Não ouves, naquela guitarra delirante, na distorção que usa, nos acordes, nas notas, nos dedilhados, na raiva com que toca, na tristeza com que brinca com as cordas? E a voz, não a ouves, vinda mesmo lá de dentro, chorando palavras e gritos de esperança, de desilusão, de amor? Será que canta para alguém? Ou simplesmente canta para aquela música que a fez apaixonar, como a mim me faz? Conseguia escrever uma carta de amor sem amar ninguém. Bastava ouvir aquela música. Sabes qual é, não sabes? Queres... ouvi-la comigo?
terça-feira, agosto 31, 2004
(trabalho de Português de 11º ano - Escrever um texto sobre "Jovens, vós sois a esperança do futuro" texto argumentativo)
Desisti de implorar aos poderosos, aos importantes, aos dirigentes pela transformação do mundo. Desisti de lhes mostrar que são eles os responsáveis pela continuação da prodridão da sociedade, que a sua cegueira é bastante visível aos seus inferiores. E como este auditório não me ouve, nem a mim, nem ao restante mundo, dirijo-me a vós, jovens, para que me dês um tempo da vossa atenção, para que vos possa nomear de esperança do futuro.
Bem vos oiço, em cada dia que crescem mais um pouco, a vossa indignação perante os espinhos da rosa que nos presentiaram. Sois a voz da verdade, os que compreendem verdadeiramente o sigificado das palavras desonestidade, tirania, violência, injustiça ou maldade mesmo, por vezes, sem as teres experenciado. Agora que começais a acordar do sonho de infância, vais encontrar a verdadeira essência do Homem e a verdadeira imagem do mundo. E, como a vossa criança ainda não abandonou o vosso olhar, têndes a capacidade de razer desse vosso sonho e utopia as soluções para as confusões onde estamos todos enleados.
Vós sois os filhos dos poderosos e importantes mas também dos pobres, dos doridos, dos injustiçados. Sois o futuro destes, mas, no momento da descoberta da realidade, todos são capazes de distinguir o Bem do Mal, o Puro do Doentio. E, nesse momento, tendes duas opções: ou vos conformais, continuais vivendo nesse mundo que tanto vos espantou e indignou, reaprendendo a viver nessa sociedade de mentira, destruição e perversidade ou então levantai-vos, uni-vos e lutai por um lugar melhor, pelo local que o vosso sonho infantil vos mostra.
E é isto que vos peço. Vós tendes essa possibilidade de mudar o mundo! O Tempo está do vosso lado (já pensastes, quem ficará poderoso e responsável quando os actuais responsáveis e poderosos definharem?!). Vós tendes a voz, a força, a coragem, a vontade, as armas. O Mundo terá de vos ouvir pois sois o produto dele, sois a futura geração e é essa geração que governará o próximo mundo.
E tu, sim, tu que pensas que uma única voz (a tua, a minha) não levantará qualquer borrão, tu que não acreditas na força e poder que tens, que queres desistir, que queres calar-te, conformar-te, tu enganas-te! A tua presença conta, porque se somarmos todas essas vozes amedrontadas criaremos tal medo à Maldade que a sua única possessão será a Vergonha de alguma vez ter existido. Todos temos uma palavra a dizer, uma opinião, um voto, não podemos deixar que mais uma poeira que nos quer cegar nos faça retroceder a indignação.
Levantai-vos, jovens, pois sois a esperança do Mundo. Vós sois os verdadeiros poderosos, os únicos possíveis vencedores desta guerra de valores. Porque o Tempo não pára e o futuro pertence-vos. Não deixeis que o veneno deste mundo moribundo vos controle e manipule porque é a vossa integridade que deverá governar-nos. E, por isso, acredito que o Homem será melhor pois vós estareis lá, e eu já não terei de desconfiar quando alguém me oferece um sorriso, saberei então que é da nossa nova esperança.
(Interessante o entusiasmo dos comentários do professor quando li o texto na aula... oh well...)
Desisti de implorar aos poderosos, aos importantes, aos dirigentes pela transformação do mundo. Desisti de lhes mostrar que são eles os responsáveis pela continuação da prodridão da sociedade, que a sua cegueira é bastante visível aos seus inferiores. E como este auditório não me ouve, nem a mim, nem ao restante mundo, dirijo-me a vós, jovens, para que me dês um tempo da vossa atenção, para que vos possa nomear de esperança do futuro.
Bem vos oiço, em cada dia que crescem mais um pouco, a vossa indignação perante os espinhos da rosa que nos presentiaram. Sois a voz da verdade, os que compreendem verdadeiramente o sigificado das palavras desonestidade, tirania, violência, injustiça ou maldade mesmo, por vezes, sem as teres experenciado. Agora que começais a acordar do sonho de infância, vais encontrar a verdadeira essência do Homem e a verdadeira imagem do mundo. E, como a vossa criança ainda não abandonou o vosso olhar, têndes a capacidade de razer desse vosso sonho e utopia as soluções para as confusões onde estamos todos enleados.
Vós sois os filhos dos poderosos e importantes mas também dos pobres, dos doridos, dos injustiçados. Sois o futuro destes, mas, no momento da descoberta da realidade, todos são capazes de distinguir o Bem do Mal, o Puro do Doentio. E, nesse momento, tendes duas opções: ou vos conformais, continuais vivendo nesse mundo que tanto vos espantou e indignou, reaprendendo a viver nessa sociedade de mentira, destruição e perversidade ou então levantai-vos, uni-vos e lutai por um lugar melhor, pelo local que o vosso sonho infantil vos mostra.
E é isto que vos peço. Vós tendes essa possibilidade de mudar o mundo! O Tempo está do vosso lado (já pensastes, quem ficará poderoso e responsável quando os actuais responsáveis e poderosos definharem?!). Vós tendes a voz, a força, a coragem, a vontade, as armas. O Mundo terá de vos ouvir pois sois o produto dele, sois a futura geração e é essa geração que governará o próximo mundo.
E tu, sim, tu que pensas que uma única voz (a tua, a minha) não levantará qualquer borrão, tu que não acreditas na força e poder que tens, que queres desistir, que queres calar-te, conformar-te, tu enganas-te! A tua presença conta, porque se somarmos todas essas vozes amedrontadas criaremos tal medo à Maldade que a sua única possessão será a Vergonha de alguma vez ter existido. Todos temos uma palavra a dizer, uma opinião, um voto, não podemos deixar que mais uma poeira que nos quer cegar nos faça retroceder a indignação.
Levantai-vos, jovens, pois sois a esperança do Mundo. Vós sois os verdadeiros poderosos, os únicos possíveis vencedores desta guerra de valores. Porque o Tempo não pára e o futuro pertence-vos. Não deixeis que o veneno deste mundo moribundo vos controle e manipule porque é a vossa integridade que deverá governar-nos. E, por isso, acredito que o Homem será melhor pois vós estareis lá, e eu já não terei de desconfiar quando alguém me oferece um sorriso, saberei então que é da nossa nova esperança.
(Interessante o entusiasmo dos comentários do professor quando li o texto na aula... oh well...)
segunda-feira, agosto 23, 2004
Coffee and Cigarettes
Fui ontem ao cinema ver o filme "Coffee and Cigarettes". Sinceramente, esperava mais. Esperava conversas mais interessantes, mais movimento, mais interacção entre as supostas personagens.
É um filme diferente, sim, e eu até gosto de filmes diferentes. Vários sketches com diferentes personalidades como Iggy Pop, os White Stripes ou Bill Murray (só para citar alguns, que, por acaso, eram quase os únicos que eu conhecia...), sentadas a uma mesa de café, fumando cigarros, bebendo o seu café, e, por vezes, conversando. Filme a preto e branco. Alguns desses sketches podem fazer alguém adormecer. Mas, para os mais atentos e menos sonolentos, são capazes de reflectir coisas bem comuns em encontros de cafés.
Até dois grandes amigos podem estar juntos num café e perderem a conversa. Aí, ou se refugiam na chávena de café, bebendo e justificando o seu silêncio assim, ou procuram com o olhar algo bem longe da direcção onde se encontra a sua companhia. Podem também fumar, olhar para baixo ou mesmo comentar algo completamente desinteressante. Como o café que estão a beber. E, se o caso for mesmo grave, olham para o relógio, sem repararem nas horas, e dizem que têm de ir embora. O curioso, nesta situação, é a resposta "Tão cedo?!" da parte do outro. Ele bem sabe que não estão a fazer nada, estão simplesmente sentados num café sem terem nada para dizer um ao outro. E estes silêncios podem ser tortuosos. Mas um "Já?!" fica sempre bem.
Houve uma vez que estava num café com uma amiga. E, por momentos, ficámos as duas caladas. Mas não fomos só nós. O café todo estava em silêncio. Não havia música, não havia conversas, não havia qualquer ruído. E este silêncio tão intenso perturbou-me tanto, deu-me uma tontura tal, que tive de falar, qualquer coisa tinha de dizer (se bem me lembro, foi até uma coisa que já tinha dito na conversa anterior) para não sentir a minha cabeça às voltas. Foi muito estranho.
Li algures que uma amizade é quando duas pessoas estam juntas em silêncio e não se sentem constrangidas. Gostava de conseguir partilhar silêncios. Mas é dificil para mim.
O filme tem várias situações em cafés. Agora, que penso melhor no filme, até começo a gostar mais dele. Apesar de se basear sempre em encontros em cafés, tem sempre algo diferente entre eles. É curioso como nos apercebemos da insignificância das conversas de café deste filme e, no intervalo, até as nossas conversas nos parecem futeis. Como se estivessemos no filme, mas compreendessemos de outra forma aquele momento. Como se soubessemos que estamos a conversar para não nos sentirmos constragidos num silêncio quebrável.
Penso que já me estou a confundir neste texto. Chega por agora. Se forem ver o filme, tenham atenção a esses promenores, às reacções das personagens (que representam elas próprias) ao longo do tempo. Talvez da próxima vez que formos a um café, o momento nos saiba um pouco diferente.
"Tudo bem?...A sério?... Tens a certeza que está tudo bem contigo?... Não se passa nada?...então,hmm...não tens mesmo nada para desabafar?..."
Fui ontem ao cinema ver o filme "Coffee and Cigarettes". Sinceramente, esperava mais. Esperava conversas mais interessantes, mais movimento, mais interacção entre as supostas personagens.
É um filme diferente, sim, e eu até gosto de filmes diferentes. Vários sketches com diferentes personalidades como Iggy Pop, os White Stripes ou Bill Murray (só para citar alguns, que, por acaso, eram quase os únicos que eu conhecia...), sentadas a uma mesa de café, fumando cigarros, bebendo o seu café, e, por vezes, conversando. Filme a preto e branco. Alguns desses sketches podem fazer alguém adormecer. Mas, para os mais atentos e menos sonolentos, são capazes de reflectir coisas bem comuns em encontros de cafés.
Até dois grandes amigos podem estar juntos num café e perderem a conversa. Aí, ou se refugiam na chávena de café, bebendo e justificando o seu silêncio assim, ou procuram com o olhar algo bem longe da direcção onde se encontra a sua companhia. Podem também fumar, olhar para baixo ou mesmo comentar algo completamente desinteressante. Como o café que estão a beber. E, se o caso for mesmo grave, olham para o relógio, sem repararem nas horas, e dizem que têm de ir embora. O curioso, nesta situação, é a resposta "Tão cedo?!" da parte do outro. Ele bem sabe que não estão a fazer nada, estão simplesmente sentados num café sem terem nada para dizer um ao outro. E estes silêncios podem ser tortuosos. Mas um "Já?!" fica sempre bem.
Houve uma vez que estava num café com uma amiga. E, por momentos, ficámos as duas caladas. Mas não fomos só nós. O café todo estava em silêncio. Não havia música, não havia conversas, não havia qualquer ruído. E este silêncio tão intenso perturbou-me tanto, deu-me uma tontura tal, que tive de falar, qualquer coisa tinha de dizer (se bem me lembro, foi até uma coisa que já tinha dito na conversa anterior) para não sentir a minha cabeça às voltas. Foi muito estranho.
Li algures que uma amizade é quando duas pessoas estam juntas em silêncio e não se sentem constrangidas. Gostava de conseguir partilhar silêncios. Mas é dificil para mim.
O filme tem várias situações em cafés. Agora, que penso melhor no filme, até começo a gostar mais dele. Apesar de se basear sempre em encontros em cafés, tem sempre algo diferente entre eles. É curioso como nos apercebemos da insignificância das conversas de café deste filme e, no intervalo, até as nossas conversas nos parecem futeis. Como se estivessemos no filme, mas compreendessemos de outra forma aquele momento. Como se soubessemos que estamos a conversar para não nos sentirmos constragidos num silêncio quebrável.
Penso que já me estou a confundir neste texto. Chega por agora. Se forem ver o filme, tenham atenção a esses promenores, às reacções das personagens (que representam elas próprias) ao longo do tempo. Talvez da próxima vez que formos a um café, o momento nos saiba um pouco diferente.
"Tudo bem?...A sério?... Tens a certeza que está tudo bem contigo?... Não se passa nada?...então,hmm...não tens mesmo nada para desabafar?..."
segunda-feira, agosto 02, 2004
segunda-feira, julho 19, 2004
Aqui
Sentaram-se as duas na cama da Clara.
Com os olhos esquecidos na ponta dos dedos dos pés, Lucia segredou:
– Sabes, Clara, se não fosses tu... eu sozinha não teria a coragem de lutar de novo.
Levantou os olhos e prendeu-os aos dela. Sorriu.
– Ele voltou ontem à noite. Disse que estava com pressa, que vinha deixar-me só uns papéis, sem importância, mas lá o convenci a sentar-se para um café. Não tive medo, Clara, olhei o Pedro nos olhos, amarrei-o bem ao meu olhar e depois disse-lhe tudo o que tinha para dizer. Não me recordo das palavras exactas mas lembro-me dos sentimentos.
Clara juntou-se ao sorriso da sua amiga.
– Ele não fugiu, não podia, e, cá para mim, gostava de estar assim preso, também ele queria voltar. Não somos nada, nada mesmo, sem o outro. – Lucia leva o seu olhar de volta para os pés. – Custou entender isso, tivemos de voltar a ser nada para compreender o desejo de sermos, juntos, tudo... Regressámos. Fizemos amor. E sentimo-nos um só, novamente. Estamos completos agora. Para sempre, creio.
Clara admirava as palavras que ouvia. Adorava finais felizes. E aqueles sorrisos que se escondem de mansinho por entre a sinceridade dos sentimentos cativavam-na. Estava tão absorta na sua admiração que não evitou um susto quando Lucia levantou a voz e mudou de discurso.
– Ah, que lamechices que para aqui digo! Não te queria aborrecer, Clara, só queria agradecer-te por todo o apoio que me deste, a sério, és fantástica! – Lucia agarra a mão de Clara e sorriem exageradamente uma para a outra.
– Oh, não aborreces nada!, já sabes que adoro ouvir-te falar assim tão feliz. Fico muito contente por ti, por vocês os dois, e, já sabes, se precisares de alguma coisa estou sempre aqui. – E pousou a outra mão sobre as outras já abraçadas.
– Eu sei, eu sei. – respondeu Lucia, inclinando delicadamente a cabeça. - Então e tu? Como vão as coisas com o Luís?
Sem querer revelar-se, Clara segurou forte o seu sorriso mas entristeceu-o.
– Vão bem... Partiu na terça para Inglaterra, vê lá tu. É pena é o seu trabalho roubá-lo tantas vezes de mim. – riu forçadamente – Mas ele é muito afectuoso, manda-me sempre lembranças e cartas com palavras tão doces que me fazem engordar. – riu-se novamente – É sempre uma festa quando falamos ao telefone, e agora com as novas modernices, torna-se mais divertido, com internet e isso.
Lucia não se tinha rido. Limitava-se a sorrir-lhe penosamente, como ela lhe pedia em silêncio.
– Mas custa-te... ou não?!
– Claro que custa, mas torna-se mais fácil de suportar com todas estas novas tecnologias, a sério. Ainda não te mostrei o novo telemóvel que ele me ofereceu, pois não?
Clara desesperava por um sinal de entusiasmo por parte de Lucia. Não encontrou. Lucia sorria-lhe com o mesmo sorriso, testando-a, rasgando a sua expressão para libertar Clara de si própria. Esta, percebendo, que não conseguia segurar por muito mais tempo o seu sorriso, agitou o olhar, que fugiu para o tapete, para a porta, para os olhos de Lucia e, rapidamente, de volta para o tapete. Lucia fixava-a.
– Passo optimos momentos quando estamos juntos. Amo-o muito. E ele também me ama, tenho a certeza... Talvez até nos saibam melhor esses momentos estando separados algum tempo, aproveitamos mais, sabes?... E mesmo quando não está cá, eu saio com amigos e amigas, divirto-me muito. Nunca perco este meu sorriso. – E, apesar de tremer por dentro, olhou nos olhos da sua amiga e sorriu-lhe com muita força.
Finalmente, Lucia devolveu-lhe o sorriso.
– És feliz, então.
O olhar cai.
– Penso que sim...
Lucia viu aqui o fim da conversa. Admirava toda a força mostrada por Clara e preparava-se para se levantar, ondular até à porta da rua, vestir o seu casaco castanho, abraçar futilmente a sua querida amiga, despedir-se e abandoná-la.
– Mesmo que, às vezes, me sinta sozinha cá em casa... Muito sozinha, aliás.
Lucia surpreendeu-se. Não esperava aquelas palavras. Clara sempre foi forte, nunca se mostrava triste ou abatida. E, agora, depois de anos de amizade, pela primeira vez, encontrava-se sentada na sua cama, com os pés suspensos e nervosos, as mão enleadas e irrequietas, e um olhar de criança triste a quem roubam uma brincadeira. Lucia, por momentos, não soube o que fazer.
– À noite, quando me deito, geralmente não consigo dormir. Tenho frio. E o silêncio torna-se insuportável. E, estupidamente, acredito que alguém ainda me vai telefonar e fazer-me companhia durante as horas. Mas já é tarde. E, nem eu tenho coragem de incomodar, nem ninguém ainda está acordado. E só consigo adormecer assim, à espera.
Clara levanta-se repentinamente e levanta a cabeça, olhando o infinito.
– E, sim, é optimo ouvir o Luis ao telefone, rimo-nos, vêmo-nos, apesar de tudo, estamos próximos. Mas quando desligamos... – Lucia, timidamente, levanta-se também – É como se toda a minha alegria e felicidade estivessem do outro lado da linha. Só fico com a Solidão e a Lágrima. E o Silêncio, claro, a esse até lhe sinto o cheiro a podre e velho. Que vergonha...
Lucia entrou em pânico. Não sabia o que fazer. Clara, para si, era a amiga em quem podia contar, a pessoa que estava lá por ela, o seu apoio, a mão no seu ombro, na sua face, secando as suas lágrimas e amarguras. Não a julgava capaz de sofrer, ela sempre fora forte para si e para os outros. Não sabia ajudá-la. Nunca o tinha feito e nunca julgara realmente possivel ser necessario a sua ajuda. Não sabia reagir. Limitava-se a olhá-la, ouvi-la e espantava-se.
Clara parou e olhou fixamente Lucia. Implorava-lhe atenção e compreensão. Tinha os olhos perdidos, cansados, vermelhos, delirantes. Lucia, a medo, pousou a sua mão no ombro de Clara.
– Não tenhas vergonha... Todos temos medo, todos estamos sós. E é a solidão que nos une... eu estou aqui, não tenhas medo...
Clara forçou um sorriso, não muito extenso, já não conseguiu mais. Agradeceu o apoio. As duas mulheres, agora desconhecidas, ficaram em silêncio por uns momentos, fingindo desconfiados sorrisos, desastrosos, inconvenientes.
Uma lágrima treme no olho de Clara. Esta aproxima-se mais de Lucia e beija-a nos lábios. Um beijo desesperado, calmo mas intenso. Lucia está petrificada. Lentamente, Clara afasta-se, olha no fundo de Lucia e, no meio do seu choro gemido, sussura-lhe:
– Conseguias amar-me como amas o Pedro?...
Lucia não conseguia responder. Estava assustada, perdida. Agora era ela que estava a segurar, era ela a coluna, o ombro, a mão, a força. E não podia quebrar. Ela não estava preparada para isto, tenha vindo apenas para lhe contar o sucedido da noite anterior e agradecer o seu apoio. Não sabia como reagir. Só sabia que não queria estar ali. Recuou um passo. Olhou Clara com pena.
– É melhor eu ir-me embora.
Esperou uma reacção qualquer, um simples “sim”, bastava um aceno, mas Clara continuava imóvel, surda, esperando, talvez ainda, a resposta à sua pergunta.
– Desculpa... – E recuando outro passo, viu Clara soltar-se de joelhos para o chão, pousando as mãos fracas nos joelhos, inclinando a cabeça e o olhar, e chorando passivamente, sem soluços, sem pressas.
Virou costas e, sem se deter, Lucia apressou-se para a porta da rua, arrancou o seu casaco castanho do bengaleiro e, sem olhar para trás, saiu e fechou a porta, levando consigo um lágrima teimosa.
Clara ouviu a porta fechar-se. Sorriu com a ironia. Sozinha novamente. Olha para a cama onde o Silêncio está sentado, fixando-a, rindo-se de sua cara. Ela levanta-se e, para grande espanto do Silêncio, senta-se ao seu colo, abraça-o e adormece ali, suspirando:
– Hoje fico por aqui.
Sentaram-se as duas na cama da Clara.
Com os olhos esquecidos na ponta dos dedos dos pés, Lucia segredou:
– Sabes, Clara, se não fosses tu... eu sozinha não teria a coragem de lutar de novo.
Levantou os olhos e prendeu-os aos dela. Sorriu.
– Ele voltou ontem à noite. Disse que estava com pressa, que vinha deixar-me só uns papéis, sem importância, mas lá o convenci a sentar-se para um café. Não tive medo, Clara, olhei o Pedro nos olhos, amarrei-o bem ao meu olhar e depois disse-lhe tudo o que tinha para dizer. Não me recordo das palavras exactas mas lembro-me dos sentimentos.
Clara juntou-se ao sorriso da sua amiga.
– Ele não fugiu, não podia, e, cá para mim, gostava de estar assim preso, também ele queria voltar. Não somos nada, nada mesmo, sem o outro. – Lucia leva o seu olhar de volta para os pés. – Custou entender isso, tivemos de voltar a ser nada para compreender o desejo de sermos, juntos, tudo... Regressámos. Fizemos amor. E sentimo-nos um só, novamente. Estamos completos agora. Para sempre, creio.
Clara admirava as palavras que ouvia. Adorava finais felizes. E aqueles sorrisos que se escondem de mansinho por entre a sinceridade dos sentimentos cativavam-na. Estava tão absorta na sua admiração que não evitou um susto quando Lucia levantou a voz e mudou de discurso.
– Ah, que lamechices que para aqui digo! Não te queria aborrecer, Clara, só queria agradecer-te por todo o apoio que me deste, a sério, és fantástica! – Lucia agarra a mão de Clara e sorriem exageradamente uma para a outra.
– Oh, não aborreces nada!, já sabes que adoro ouvir-te falar assim tão feliz. Fico muito contente por ti, por vocês os dois, e, já sabes, se precisares de alguma coisa estou sempre aqui. – E pousou a outra mão sobre as outras já abraçadas.
– Eu sei, eu sei. – respondeu Lucia, inclinando delicadamente a cabeça. - Então e tu? Como vão as coisas com o Luís?
Sem querer revelar-se, Clara segurou forte o seu sorriso mas entristeceu-o.
– Vão bem... Partiu na terça para Inglaterra, vê lá tu. É pena é o seu trabalho roubá-lo tantas vezes de mim. – riu forçadamente – Mas ele é muito afectuoso, manda-me sempre lembranças e cartas com palavras tão doces que me fazem engordar. – riu-se novamente – É sempre uma festa quando falamos ao telefone, e agora com as novas modernices, torna-se mais divertido, com internet e isso.
Lucia não se tinha rido. Limitava-se a sorrir-lhe penosamente, como ela lhe pedia em silêncio.
– Mas custa-te... ou não?!
– Claro que custa, mas torna-se mais fácil de suportar com todas estas novas tecnologias, a sério. Ainda não te mostrei o novo telemóvel que ele me ofereceu, pois não?
Clara desesperava por um sinal de entusiasmo por parte de Lucia. Não encontrou. Lucia sorria-lhe com o mesmo sorriso, testando-a, rasgando a sua expressão para libertar Clara de si própria. Esta, percebendo, que não conseguia segurar por muito mais tempo o seu sorriso, agitou o olhar, que fugiu para o tapete, para a porta, para os olhos de Lucia e, rapidamente, de volta para o tapete. Lucia fixava-a.
– Passo optimos momentos quando estamos juntos. Amo-o muito. E ele também me ama, tenho a certeza... Talvez até nos saibam melhor esses momentos estando separados algum tempo, aproveitamos mais, sabes?... E mesmo quando não está cá, eu saio com amigos e amigas, divirto-me muito. Nunca perco este meu sorriso. – E, apesar de tremer por dentro, olhou nos olhos da sua amiga e sorriu-lhe com muita força.
Finalmente, Lucia devolveu-lhe o sorriso.
– És feliz, então.
O olhar cai.
– Penso que sim...
Lucia viu aqui o fim da conversa. Admirava toda a força mostrada por Clara e preparava-se para se levantar, ondular até à porta da rua, vestir o seu casaco castanho, abraçar futilmente a sua querida amiga, despedir-se e abandoná-la.
– Mesmo que, às vezes, me sinta sozinha cá em casa... Muito sozinha, aliás.
Lucia surpreendeu-se. Não esperava aquelas palavras. Clara sempre foi forte, nunca se mostrava triste ou abatida. E, agora, depois de anos de amizade, pela primeira vez, encontrava-se sentada na sua cama, com os pés suspensos e nervosos, as mão enleadas e irrequietas, e um olhar de criança triste a quem roubam uma brincadeira. Lucia, por momentos, não soube o que fazer.
– À noite, quando me deito, geralmente não consigo dormir. Tenho frio. E o silêncio torna-se insuportável. E, estupidamente, acredito que alguém ainda me vai telefonar e fazer-me companhia durante as horas. Mas já é tarde. E, nem eu tenho coragem de incomodar, nem ninguém ainda está acordado. E só consigo adormecer assim, à espera.
Clara levanta-se repentinamente e levanta a cabeça, olhando o infinito.
– E, sim, é optimo ouvir o Luis ao telefone, rimo-nos, vêmo-nos, apesar de tudo, estamos próximos. Mas quando desligamos... – Lucia, timidamente, levanta-se também – É como se toda a minha alegria e felicidade estivessem do outro lado da linha. Só fico com a Solidão e a Lágrima. E o Silêncio, claro, a esse até lhe sinto o cheiro a podre e velho. Que vergonha...
Lucia entrou em pânico. Não sabia o que fazer. Clara, para si, era a amiga em quem podia contar, a pessoa que estava lá por ela, o seu apoio, a mão no seu ombro, na sua face, secando as suas lágrimas e amarguras. Não a julgava capaz de sofrer, ela sempre fora forte para si e para os outros. Não sabia ajudá-la. Nunca o tinha feito e nunca julgara realmente possivel ser necessario a sua ajuda. Não sabia reagir. Limitava-se a olhá-la, ouvi-la e espantava-se.
Clara parou e olhou fixamente Lucia. Implorava-lhe atenção e compreensão. Tinha os olhos perdidos, cansados, vermelhos, delirantes. Lucia, a medo, pousou a sua mão no ombro de Clara.
– Não tenhas vergonha... Todos temos medo, todos estamos sós. E é a solidão que nos une... eu estou aqui, não tenhas medo...
Clara forçou um sorriso, não muito extenso, já não conseguiu mais. Agradeceu o apoio. As duas mulheres, agora desconhecidas, ficaram em silêncio por uns momentos, fingindo desconfiados sorrisos, desastrosos, inconvenientes.
Uma lágrima treme no olho de Clara. Esta aproxima-se mais de Lucia e beija-a nos lábios. Um beijo desesperado, calmo mas intenso. Lucia está petrificada. Lentamente, Clara afasta-se, olha no fundo de Lucia e, no meio do seu choro gemido, sussura-lhe:
– Conseguias amar-me como amas o Pedro?...
Lucia não conseguia responder. Estava assustada, perdida. Agora era ela que estava a segurar, era ela a coluna, o ombro, a mão, a força. E não podia quebrar. Ela não estava preparada para isto, tenha vindo apenas para lhe contar o sucedido da noite anterior e agradecer o seu apoio. Não sabia como reagir. Só sabia que não queria estar ali. Recuou um passo. Olhou Clara com pena.
– É melhor eu ir-me embora.
Esperou uma reacção qualquer, um simples “sim”, bastava um aceno, mas Clara continuava imóvel, surda, esperando, talvez ainda, a resposta à sua pergunta.
– Desculpa... – E recuando outro passo, viu Clara soltar-se de joelhos para o chão, pousando as mãos fracas nos joelhos, inclinando a cabeça e o olhar, e chorando passivamente, sem soluços, sem pressas.
Virou costas e, sem se deter, Lucia apressou-se para a porta da rua, arrancou o seu casaco castanho do bengaleiro e, sem olhar para trás, saiu e fechou a porta, levando consigo um lágrima teimosa.
Clara ouviu a porta fechar-se. Sorriu com a ironia. Sozinha novamente. Olha para a cama onde o Silêncio está sentado, fixando-a, rindo-se de sua cara. Ela levanta-se e, para grande espanto do Silêncio, senta-se ao seu colo, abraça-o e adormece ali, suspirando:
– Hoje fico por aqui.
quinta-feira, julho 01, 2004
Acho que afinal já não acredito no Peter Pan. Ele veio-me buscar no Sábado, voltei ao meu quarto lá na Terra do Nunca. Soube-me tão bem voltar a poder voar, a sonhar com aquele mundo em que não tenho regras para seguir.
Mas ontem à noite, esperei por ele outra vez. Sorri ao pensar que ele voltaria e levar-me-ia mais uma noite para longe. De repente, ouvi dois estalidos na persiana. Seria ele? E então, percebi, que já não era mais criança para acreditar num Peter Pan. Isto porque fiquei muito assustada, tive a certeza de que, se ouvisse alguma voz a chamar o meu nome, por mais jovial que fosse a voz, sentir-me-ia apavorada e correria até ao quarto dos meus pais, provavelmente, e pediria que fossem ao meu quarto ver o que se passava, ou, simplesmente, que falassem comigo para eu poder ouvir uma voz conhecida e de confiança.
E foi aí que percebi, para grande tristeza minha, que já não consigo acreditar no Peter Pan, ou no Pai Natal, ou no menino Jesus. Porque se me aparecesse um menino a voar no meu quarto, ou um velho de barbas na sala, ou uma voz desconhecida na minha cabeça, entraria em pânico e considerar-me-ia definitivamente doida.
Mas ontem à noite, esperei por ele outra vez. Sorri ao pensar que ele voltaria e levar-me-ia mais uma noite para longe. De repente, ouvi dois estalidos na persiana. Seria ele? E então, percebi, que já não era mais criança para acreditar num Peter Pan. Isto porque fiquei muito assustada, tive a certeza de que, se ouvisse alguma voz a chamar o meu nome, por mais jovial que fosse a voz, sentir-me-ia apavorada e correria até ao quarto dos meus pais, provavelmente, e pediria que fossem ao meu quarto ver o que se passava, ou, simplesmente, que falassem comigo para eu poder ouvir uma voz conhecida e de confiança.
E foi aí que percebi, para grande tristeza minha, que já não consigo acreditar no Peter Pan, ou no Pai Natal, ou no menino Jesus. Porque se me aparecesse um menino a voar no meu quarto, ou um velho de barbas na sala, ou uma voz desconhecida na minha cabeça, entraria em pânico e considerar-me-ia definitivamente doida.
terça-feira, junho 22, 2004
Não quero dormir sozinha hoje. Vou-me levantar e voar pelo corredor escuro até ao quarto de meus pais, vou empurrar devagarinho a porta e, sem eles se darem conta, vou-me deitar entre eles e já poderei dormir em paz.
Hoje tenho medo de dormir sozinha. Estou com medo de mim. Hoje não é só o medo dos monstrinhos debaixo da cama ou dentro do armário, não são só as sombras e os fantasmas que me assustam. Já não é só o Tempo que passa a noite sobre mim, rindo-se sobre a minha face, sinto-lhe o bafo velho, e que me vai puxando os cabelos e me incomoda a noite toda, troçando de mim e da minha fragilidade, cheirando-a e forçando-a. Já não é só o Frio que me puxa os cobertores que preciso de manter junto do meu corpo para não arrefecer, insistindo em controlar os meus dedos dos pés, os meus pés, as minhas canelas. Não é só a Solidão que me berra junto aos meus ouvidos o quanto faz parte de mim e o quanto custará para a esquecer, tornando-me cada vez mais surda para o Silêncio que antigamente me acalmava e que agora me rasga a face. Não são só estes espíritos que me incomodam esta noite. Hoje há mais, muito mais. Hoje tenho medo de mim. Tenho medo de não aguentar a noite toda sem me levantar, sem gritar, sem esbracejar e bofetear o ar que insiste em esconder todas aquelas Almas que troçam de mim a noite toda. Tenho medo de me tornar, finalmente doida e jamais voltar a dormir, jamais descansar novamente. Tenho medo de fazer mal a mim própria para tentar mostrar a todos os que estão presos no meu quarto que também eu sei magoar-me, que não necessito deles para me torturar. E que sei fazer pior que todos eles juntos. Tenho medo de os ultrapassar. Sinto que não tenho controlo sobre o meu corpo hoje e isso assusta-me de tal maneira que vou ter de sair deste quarto podre e abafado, em que o suor infesta todas as partículas que consumo, em que cada parede esconde um segredo embaraçoso, mortal, sair desta caverna e fugir para aquele quarto branco que nunca fechou as portas para mim.
Não sei porque deixei de lá ir. Quis vencer sozinha os meus fantasmas, quis acreditar que viveria e sobreviveria com eles, sozinha. Mas hoje não. Não consigo dormir sozinha hoje. Preciso de um quarto fresco. Os meus pais estão lá. De certeza que não se importarão. Pode ser que acordem durante a noite de um pesadelo tão pesado como os meus e, ao verem-me a dormir tão calmamente, tão segura, tão sorridente por estar entre aqueles em quem mais confio, talvez ao verem-me novamente muito pequenina, voltarão a sorrir, esquecerão o pesadelo e adormecerão novamente com o braço sobre o meu ombro, acariciando-me os sonhos.
Hoje tenho medo de dormir sozinha. Estou com medo de mim. Hoje não é só o medo dos monstrinhos debaixo da cama ou dentro do armário, não são só as sombras e os fantasmas que me assustam. Já não é só o Tempo que passa a noite sobre mim, rindo-se sobre a minha face, sinto-lhe o bafo velho, e que me vai puxando os cabelos e me incomoda a noite toda, troçando de mim e da minha fragilidade, cheirando-a e forçando-a. Já não é só o Frio que me puxa os cobertores que preciso de manter junto do meu corpo para não arrefecer, insistindo em controlar os meus dedos dos pés, os meus pés, as minhas canelas. Não é só a Solidão que me berra junto aos meus ouvidos o quanto faz parte de mim e o quanto custará para a esquecer, tornando-me cada vez mais surda para o Silêncio que antigamente me acalmava e que agora me rasga a face. Não são só estes espíritos que me incomodam esta noite. Hoje há mais, muito mais. Hoje tenho medo de mim. Tenho medo de não aguentar a noite toda sem me levantar, sem gritar, sem esbracejar e bofetear o ar que insiste em esconder todas aquelas Almas que troçam de mim a noite toda. Tenho medo de me tornar, finalmente doida e jamais voltar a dormir, jamais descansar novamente. Tenho medo de fazer mal a mim própria para tentar mostrar a todos os que estão presos no meu quarto que também eu sei magoar-me, que não necessito deles para me torturar. E que sei fazer pior que todos eles juntos. Tenho medo de os ultrapassar. Sinto que não tenho controlo sobre o meu corpo hoje e isso assusta-me de tal maneira que vou ter de sair deste quarto podre e abafado, em que o suor infesta todas as partículas que consumo, em que cada parede esconde um segredo embaraçoso, mortal, sair desta caverna e fugir para aquele quarto branco que nunca fechou as portas para mim.
Não sei porque deixei de lá ir. Quis vencer sozinha os meus fantasmas, quis acreditar que viveria e sobreviveria com eles, sozinha. Mas hoje não. Não consigo dormir sozinha hoje. Preciso de um quarto fresco. Os meus pais estão lá. De certeza que não se importarão. Pode ser que acordem durante a noite de um pesadelo tão pesado como os meus e, ao verem-me a dormir tão calmamente, tão segura, tão sorridente por estar entre aqueles em quem mais confio, talvez ao verem-me novamente muito pequenina, voltarão a sorrir, esquecerão o pesadelo e adormecerão novamente com o braço sobre o meu ombro, acariciando-me os sonhos.
domingo, maio 16, 2004
Ainda bem que correste. Não lhes ligues, pensam que as regras são para cumprir. Ainda estou para saber quem é que inventou essa pseudo-regra de não se correr nos jardins. Nem correr, nem andar, nem pular. Para quê aquela relva verdinha se ninguém a pode usar? Corre, sim, corre com todas as energias que tiveres sobre este jardim porque, quanto mais correres, mais se alarga o teu sorriso e o teu coração. Estraga tudo o que é perfeito porque para é morrer, e, se algo é perfeito, tem de parar. Pula em cima das contruções de areia, não deixes que as ondas te roubem o prazer de deitar abaixo algo que te deu tanto gosto em fazer. Não fiques sentado nas salas de espera, não deixes fugir esses momentos. Nunca deixes de perguntar, nunca deixes de sorrir, de rir, de brincar. Não te tornes num de nós, rapazinho, foge de nós. Somos demasiado perfeitos. Portamo-nos demasiado bem. Mentimos demasiado bem, roubamos demasiado bem, matamos demasiado bem. Mas nunca brincamos. Já viste algum de nós sorrir? Não para ti, porque para ti parece que toda a gente tem sorrisos rosa, mas para o mundo, para o ar, para a vida. Já viste algum sorriso na rua? Não, ensinaram-nos a não rir sem razão, e nunca temos razão. Ainda bem que correste por cima da relva do jardim que queria ser perfeito, porque essa tua alegria de infância já me deu um motivo para sorrir. E eu que já me tinha esquecido do que isso era... =)
sexta-feira, maio 14, 2004
Eu espero por ti lá fora. Fico à tua porta, abraçado ao meu casaco para o frio não me interromper no meu compasso de espera. Quando apareci aqui em tua casa vim prevenido, vim agasalhado, já esperando que me mandasses esperar lá fora. Eu espero, sim, claro que espero. Não me sentiria feliz de outra maneira. Lá fora, prenderei os meus olhos na tua porta, supondo que se vai abrir de seguida, vou esperar. O vento frio deste Inverno que ignoro poderá tentar-me distrair mas o meu olhar não se vai desviar, eu vou esperar-te. As minhas pernas podem tremer, a neve pode cobrir as minhas canelas (nem vou reparar que neva) que, curioso, estão nuas (porque me esqueci das meias?!), a neve poderá queimar-me a pele, pode arrancar-ma, que eu continuarei lá fora à tua espera. Vou esperar que decidas vir ter comigo, que retires o teu quente cobertor que repousa em teu colo, que pouses o chocolate quente que te adocica a boca, que queiras sair desse cantinho quentinho e agradável, imperdível, que te levantes, que movas os teus delicados pezinhos até à porta da rua, que a abras, que deixes que o vento te entre pela casa adentro e que, descalça e em trajes de noite, decidas sair da tua casinha e que caminhes até mim, pisando a neve que certamente te queimará também a pele; enfim, vou esperar por ti lá fora até que decidas que é melhor vires para o frio dos meus braços magros do que ficares no teu sofá confortavelmente instalada e aquecida pelo calor de tua casa. Eu espero sim. Hei-de morrer gelado, mas acredita que vou esperar por ti lá fora.
quinta-feira, maio 06, 2004
Urgência Pessoal:
Desapareceu-me uma pessoa. Evaporou-se dos meus contactos. Quem conseguir encontrá-lo é favor contactar-me. O filósofo... fugiu. E se ouvirem falar alguma vez da banda The Scope contactem-me também! E se tu, que sabes quem és, leres isto, diz-me qualquer coisa para eu não ficar a pensar que és apenas um vírus beligno informático...
Com os maiores agradecimentos pela atenção:
Laura Brown
Desapareceu-me uma pessoa. Evaporou-se dos meus contactos. Quem conseguir encontrá-lo é favor contactar-me. O filósofo... fugiu. E se ouvirem falar alguma vez da banda The Scope contactem-me também! E se tu, que sabes quem és, leres isto, diz-me qualquer coisa para eu não ficar a pensar que és apenas um vírus beligno informático...
Com os maiores agradecimentos pela atenção:
Laura Brown
quarta-feira, maio 05, 2004
Morreu Hoje A Primeira Mulher
"Morreu hoje a primeira mulher...
Deslizaram corpos com sabor a mar
Fez-se silêncio para ouvir o som de um grito que nunca chegou...
Abrem-se janelas que te cortam com o frio o calor do corpo...
Apertas o corpo e abraças-te em ti mesmo,
Com medo de te dissipares...
Sentes o papel em que escreves e lambes as folhas. Porque
Nenhuma palavra te pode transportar ou viver por ti.
Rodopias nua de racionalidade e respiras
O que te resta. Talvez nunca tenha visto ser tão sensual
À face...de uma Terra.
O frio acentuava-te as formas
E denunciava a beleza que te restava. O vento,
Delator da verdade, soprou- te nos cabelos
E fez-te dele...Até que paraste de rodopiar,
Mesmo sabendo que continuavas imóvel...
És em mim agora, toda a estrada, vazia.
É em mim, que agora toca o frio,
Toca o interior, oco demais para conter mais que uma teia,
Interior aquele em que inspiro tudo o que me prende
A um exterior; às ruas que caminhavas descalça,
Que te enlaçavam e enlaçam, agora presa dentro de mim,
Numa teia de finos e molhados cabelos, em que te vestes...
Podes vir, vem agora e desliza dentro de mim,
Rodopia para eu te fazer parar. Dança...
Talvez além de assistir, eu dance contigo
E te compre o corpo...morto.
...Morreu hoje a primeira mulher."
(Patrícia Paixão)
É bonito, não é? É de uma grande poetisa que felizmente tenho a honra de conhecer e de saber o valor que a sua escrita tem. É pena que não o mostre a muita gente (curioso como as duas melhores poetisas que eu conheço pessoalmente são as mais modestas e mais reservadas em relação à sua escrita - ou será a tudo o resto?- ). Certamente concordarão comigo quando digo que é uma mais valia para este blog ter a honra de publicar este poema com autorização da poetisa. Gostei muito dele, mais do que qualquer outro, ela é capaz de perceber porquê. Leiam novamente...
"Morreu hoje a primeira mulher...
Deslizaram corpos com sabor a mar
Fez-se silêncio para ouvir o som de um grito que nunca chegou...
Abrem-se janelas que te cortam com o frio o calor do corpo...
Apertas o corpo e abraças-te em ti mesmo,
Com medo de te dissipares...
Sentes o papel em que escreves e lambes as folhas. Porque
Nenhuma palavra te pode transportar ou viver por ti.
Rodopias nua de racionalidade e respiras
O que te resta. Talvez nunca tenha visto ser tão sensual
À face...de uma Terra.
O frio acentuava-te as formas
E denunciava a beleza que te restava. O vento,
Delator da verdade, soprou- te nos cabelos
E fez-te dele...Até que paraste de rodopiar,
Mesmo sabendo que continuavas imóvel...
És em mim agora, toda a estrada, vazia.
É em mim, que agora toca o frio,
Toca o interior, oco demais para conter mais que uma teia,
Interior aquele em que inspiro tudo o que me prende
A um exterior; às ruas que caminhavas descalça,
Que te enlaçavam e enlaçam, agora presa dentro de mim,
Numa teia de finos e molhados cabelos, em que te vestes...
Podes vir, vem agora e desliza dentro de mim,
Rodopia para eu te fazer parar. Dança...
Talvez além de assistir, eu dance contigo
E te compre o corpo...morto.
...Morreu hoje a primeira mulher."
(Patrícia Paixão)
É bonito, não é? É de uma grande poetisa que felizmente tenho a honra de conhecer e de saber o valor que a sua escrita tem. É pena que não o mostre a muita gente (curioso como as duas melhores poetisas que eu conheço pessoalmente são as mais modestas e mais reservadas em relação à sua escrita - ou será a tudo o resto?- ). Certamente concordarão comigo quando digo que é uma mais valia para este blog ter a honra de publicar este poema com autorização da poetisa. Gostei muito dele, mais do que qualquer outro, ela é capaz de perceber porquê. Leiam novamente...
terça-feira, maio 04, 2004
Pois é... Basta perder o autocarro, basta um tropelão, um vento que roube o papel que seguravamos, basta um sorriso malicioso, uma piada infeliz, um exercício complicado, uma areia no olho... Basta um "apenas" para queremos acreditar que foi "tudo". Basta um insignificante momento de atraso ou aborrecimento para nos levar a querer fugir de tudo,a escondermo-nos num buraco, numa toca secreta em que mais ninguém se atreva a ir. Escondidos e abraçados a nós mesmos, sem saber que o tempo passa, sem sequer o tempo se preocupar mais em nos visitar. Chorando, num gemido babado, todos aqueles momentos que não importam a ninguém e que nos queimam por isso mesmo, por não importar a mais ninguém. E lá estaremos, escondidos, rasgando a nossa pele com esses promenores, com tudo o que nos envergonha sem termos razão para tal. E nunca mais queremos de lá sair. Nunca mais abriremos os olhos. Eles continuarão a chorar, as lágrimas de suor, dos arrepios que nos incomodaram todo este tempo. Afastados de todos. Sozinhos. E, ao mesmo tempo, com a pior companhia que poderiamos alguma vez ter: nós próprios.
O silêncio é demasiado perturbador para não ser partilhado...
O silêncio é demasiado perturbador para não ser partilhado...
domingo, maio 02, 2004
Venho pedir desculpas por não ter escrito ultimamente. O meu computador anda muito doentinho e não põe os acentos como deve, por isso achei melhor não actualizar o blog por uns tempos, a ver se o computador lá se curava. Continua doente, é capaz de demorar ainda uns tempos até ficar bom. Agradecia portanto a paciência de todos os que aqui veêm porque eu voltarei, com acentos, em breve (espero...). Ah, e para aqueles mais perspicazes, neste momento estou noutro computador só para deixar esta mensagem, daí os acentos até estarem correctos...
Até breve
Até breve
quinta-feira, abril 22, 2004
Palavras Fatais (este texto/poema e´ antigo e pela primeira vez alguem o vai ler...)
Penso em ti. Penso em ti quando me levanto, quando como, quando caminho, quando choro, quando sonho, quando estudo, quando me deito. Quando te vejo. E nesses momentos...
Desejo-te. Desejo o teu sorriso num dia cinzento, o teu olhar na minha solidao, a tua presença na escuridao, a tua voz no silencio, o teu amor em mim e na vida. E nesses momentos...
Olho-te. Olho-te como um fruto que nao consigo apanhar, como o vento que nao consigo acompanhar, como uma palavra que nao consigo guardar, como perfeiçao que nao consigo alcançar...Um anjo. E nesses momentos...
Choro. Choro, tornando magoas, derrotas, sonhos, vida e tristeza em lagrimas que, por momentos, parecem nunca mais ter fim, talvez por dor, talvez por amor. E tento algo impossivel: esquecer-te... e amar-te.
Penso em ti. Penso em ti quando me levanto, quando como, quando caminho, quando choro, quando sonho, quando estudo, quando me deito. Quando te vejo. E nesses momentos...
Desejo-te. Desejo o teu sorriso num dia cinzento, o teu olhar na minha solidao, a tua presença na escuridao, a tua voz no silencio, o teu amor em mim e na vida. E nesses momentos...
Olho-te. Olho-te como um fruto que nao consigo apanhar, como o vento que nao consigo acompanhar, como uma palavra que nao consigo guardar, como perfeiçao que nao consigo alcançar...Um anjo. E nesses momentos...
Choro. Choro, tornando magoas, derrotas, sonhos, vida e tristeza em lagrimas que, por momentos, parecem nunca mais ter fim, talvez por dor, talvez por amor. E tento algo impossivel: esquecer-te... e amar-te.
quarta-feira, março 31, 2004
terça-feira, março 30, 2004
Cada Vez Mais Aqui
Queres lutar com quem?
Para doer aonde?
Para ser o quê?
Achas que ninguém vê?
E para quê fingir?
Porquê mentir e remar na dor?
Achas que ninguém vê?
Também eu queria parar...
chorar
cair... para me levantar,
para te puxar!
Te fazer sorrir...
não voltar a cair!
Não me olhes assim!
Continuo a ser quem fui!
Cada vez mais aqui...
não dances tão longe..!
...que eu já te vi
Também eu queria parar...
chorar
cair... para me levantar,
para te puxar!
Te fazer sorrir...
não voltar a fugir!
(Toranja)
Preciso que alguém dance comigo. Estou sozinha no meio de todo este grande grupo. Engraçado como, apesar de estarmos todos em círculo virados para o centro, ninguém olha para ninguém, cada um esconde o seu olhar naquela individualidade que nunca tinha visto antes e que entra neste momento na sala. Parece que procuram algo fora deste círculo para poderem sair dali. Ou não, talvez não queiram sair, talvez procurem não desperdiçar tanto tempo em silêncio, ao menos assim estão entretidos a olhar alguém desconhecido, enquanto o assunto de conversa não chega.
Estou cansada de estar aqui feita normal a olhar para fora do nosso círculo. Não estou aqui a fazer nada. Vou sair. Mas não tenho para onde. Tenho ali outro círculo de gente conhecida. Estão um pouco mais alegres, sorriem, olham-se, divertem-se. Mas cheguei tarde e não caibo mais nesta circunferência apertada. Vou sair novamente, vou procurar um refúgio. Ali está um... Alguém, uma, duas pessoas que conversam e que eu conheço. Aproximo-me. Conversamos um pouco. Mas algo chama essas duas pessoas e eu fico isolada. Mas não, agora não vou sair daqui.
Enquanto espero - e não espero... - pela sua atenção de volta, aproveito para estar sozinha. Vejo mais uns quantos conhecidos por ali, não em círculo, conversando efectivamente, poderia aproximar-me e deixar de estar aqui sozinha. Mas não o faço, eles pediriam-me um sorriso e eu já esgotei os meus. E sabe bem estar aqui sozinha. Sabe bem estar isolada, perdida em mim mesma, enquanto, talvez, quem passa, me julgue acompanhada por aquelas pessoas que desviaram a sua atenção, que nem fazem ideia que continuo aqui. E ainda bem... Por momentos posso estar sozinha sem me sentir demasiado estranha. Talvez não olhem para mim e pensem "Tadita, tá mesmo à nora!". Duvido, mas enfim. Já não me importo. hoje não me importo com o que os outros poderão pensar de mim. Engraçado, logo hoje em que todos se julgam e avaliam uns aos outros. Mas ninguém me vê por dentro, ninguém me poderá julgar. Não me preocupo. Acabou-se.
"Ah, não sabia que ainda estavas aqui". Pois, eu sei que não sabiam, por isso é que me deixei ficar por aqui. Ninguém sabia onde estava e, vê lá, estava tão próximo. Mas agora já voltaram a vossa atenção para mim e sei que não me vão largar agora. Porque eu estive aqui, à vossa espera, e vocês ficaram espantados com isso. Pois é, mas eu não poderia esperar por mais ninguém. Porque mais ninguém me deixaria estar sem sorrir. Realmente, não há melhor lugar para estar agora senão ao pé de vocês.
Preciso que alguém dance comigo. Preciso de alguém que me abrace sem ter razões para isso. Preciso que alguém me sorria, que me diga aquelas frases entre o sonho e o acordar que nunca mais sairão de mim, preciso de alguém que esteja só para eu poder sentir. Preciso que alguém dance comigo, só para poder estar junto a alguém. Preciso mesmo de dançar. Mas hoje parece que todos têm o olhar fora do círculo. Ninguém me abraçará hoje. Nem amanhã. Nem depois. Porque não descobrem razões para isso.
Talvez se lessem um texto como este, talvez aí já encontrariam razões, mas agora já não preciso, agora já vos disse, agora já não servia de nada. Porque assim, já havia razões. E eu só quero abraços sem razões... Não sabem ler nos meus olhos presos ao chão o abraço que eu pedia... E não há abraços desses...
Estou cansada de estar aqui feita normal a olhar para fora do nosso círculo. Não estou aqui a fazer nada. Vou sair. Mas não tenho para onde. Tenho ali outro círculo de gente conhecida. Estão um pouco mais alegres, sorriem, olham-se, divertem-se. Mas cheguei tarde e não caibo mais nesta circunferência apertada. Vou sair novamente, vou procurar um refúgio. Ali está um... Alguém, uma, duas pessoas que conversam e que eu conheço. Aproximo-me. Conversamos um pouco. Mas algo chama essas duas pessoas e eu fico isolada. Mas não, agora não vou sair daqui.
Enquanto espero - e não espero... - pela sua atenção de volta, aproveito para estar sozinha. Vejo mais uns quantos conhecidos por ali, não em círculo, conversando efectivamente, poderia aproximar-me e deixar de estar aqui sozinha. Mas não o faço, eles pediriam-me um sorriso e eu já esgotei os meus. E sabe bem estar aqui sozinha. Sabe bem estar isolada, perdida em mim mesma, enquanto, talvez, quem passa, me julgue acompanhada por aquelas pessoas que desviaram a sua atenção, que nem fazem ideia que continuo aqui. E ainda bem... Por momentos posso estar sozinha sem me sentir demasiado estranha. Talvez não olhem para mim e pensem "Tadita, tá mesmo à nora!". Duvido, mas enfim. Já não me importo. hoje não me importo com o que os outros poderão pensar de mim. Engraçado, logo hoje em que todos se julgam e avaliam uns aos outros. Mas ninguém me vê por dentro, ninguém me poderá julgar. Não me preocupo. Acabou-se.
"Ah, não sabia que ainda estavas aqui". Pois, eu sei que não sabiam, por isso é que me deixei ficar por aqui. Ninguém sabia onde estava e, vê lá, estava tão próximo. Mas agora já voltaram a vossa atenção para mim e sei que não me vão largar agora. Porque eu estive aqui, à vossa espera, e vocês ficaram espantados com isso. Pois é, mas eu não poderia esperar por mais ninguém. Porque mais ninguém me deixaria estar sem sorrir. Realmente, não há melhor lugar para estar agora senão ao pé de vocês.
Preciso que alguém dance comigo. Preciso de alguém que me abrace sem ter razões para isso. Preciso que alguém me sorria, que me diga aquelas frases entre o sonho e o acordar que nunca mais sairão de mim, preciso de alguém que esteja só para eu poder sentir. Preciso que alguém dance comigo, só para poder estar junto a alguém. Preciso mesmo de dançar. Mas hoje parece que todos têm o olhar fora do círculo. Ninguém me abraçará hoje. Nem amanhã. Nem depois. Porque não descobrem razões para isso.
Talvez se lessem um texto como este, talvez aí já encontrariam razões, mas agora já não preciso, agora já vos disse, agora já não servia de nada. Porque assim, já havia razões. E eu só quero abraços sem razões... Não sabem ler nos meus olhos presos ao chão o abraço que eu pedia... E não há abraços desses...
sábado, março 13, 2004
21 Gramas
"They say we all lose 21 grams
at the exact moment of our death...
everyone.
The weight of a stack of nickels.
The weight of a chocolate bar.
The weight of a hummingbird..."
Ontem foi ver o filme "21 Gramas". Não foi dos filmes que mais me tocou e que mais me marcou mas, sem dúvida, fez-me pensar muito. Especialmente, na fragilidade da vida. Jovem como sou, tenho tendência natural para pensar que sou imortal. Sou nova, ainda tenho muito que viver, nem sinto o cheiro da morte passar por mim. Não perdi ainda pessoas muito chegadas. Provavelmente ainda não compreendi o conceito de morte muito bem.
Há uns dias atrás, estava deitada já, à espera de adormecer, quando o meu coração decidiu assustar-me. Acelarou muito, durante meio segundo e quando parou ficou uma sensação esquisita no coração como se preparasse para o fazer outra vez. E, provavelmente pela primeira vez na minha vida, senti que ia morrer. Senti que me iria acontecer alguma coisa durante a noite e que só me encontrariam no dia seguinte já morta. Mas não foi o facto de só me encontrarem de manhã que me perturbou. Foi o facto de não viver o dia seguinte. O facto de deixar tanta coisa por fazer. De a minha vida acabar ainda antes de eu ter feito alguma coisa com ela. Foi uma sensação terrível. A morte olhava para mim, sorria, e perguntava-me sarcasticamente se me sentia invencível. E mostrou-me como iria recordar o dia seguinte. O dia que já não iria viver. Era negro, era vazio. Era nada. Não o conseguia imaginar. Eu não o viveria. Mas o tempo não iria parar e todos os outros vivos continuariam a enfrentar as horas.
Sou muito nova e ninguém espera que eu morra durante a noite. Assim como ninguém espera morrer aos 20, ou aos 30, ou aos 40, durante uma conversa animada, durante o sono, durante um jogo de futebol, durante um sorriso. Só esperam morrer quem se sente doente. Só os doentes parecem ter direito a sonhar com a morte. Só os doentes é k têm o direito de a imaginar.
Neste filme o que mais me marcou foi a viúva (peço desculpa a quem não viu o filme). Como é que uma mulher jovem como ela poderia resistir à perda de um marido querido e amado e de duas filhas ainda tão pequenas por atropelamento? Quem é que pode compreender? É ela que diz que a vida não continua. Como seria possível continuar? A vida é tão fragil, pode-se perder num segundo apenas. E esta mulher, momentos antes de saber que o seu marido e as suas filhas estão mortas, ouve no seu telemóvel, com um sorriso carinhoso, uma mensagem do seu marido a dizer que está a caminho de casa, para lhe telefonar se for preciso, ouve-o até repreender uma de suas filhas por se estar a meter com um pombo. E ela sorri. Adora a sua família. Vive para ela. Ama-os tanto. E, descansada, desliga o telemovel e espera pelo regresso deles. Mas o telefone toca. E a sua vida parou.
Tudo isto para dizer como me doeu saber que aquela mulher que era tão feliz, que se estava a reconstruir, perdeu de um momento para outro as três pessoas mais queridas, sem qualquer razão, sem qualquer aviso. Tão frágil a vida, tanto dos que foram como a dos que ficaram.
21 gramas... É isso que valemos?
"They say we all lose 21 grams
at the exact moment of our death...
everyone.
The weight of a stack of nickels.
The weight of a chocolate bar.
The weight of a hummingbird..."
Ontem foi ver o filme "21 Gramas". Não foi dos filmes que mais me tocou e que mais me marcou mas, sem dúvida, fez-me pensar muito. Especialmente, na fragilidade da vida. Jovem como sou, tenho tendência natural para pensar que sou imortal. Sou nova, ainda tenho muito que viver, nem sinto o cheiro da morte passar por mim. Não perdi ainda pessoas muito chegadas. Provavelmente ainda não compreendi o conceito de morte muito bem.
Há uns dias atrás, estava deitada já, à espera de adormecer, quando o meu coração decidiu assustar-me. Acelarou muito, durante meio segundo e quando parou ficou uma sensação esquisita no coração como se preparasse para o fazer outra vez. E, provavelmente pela primeira vez na minha vida, senti que ia morrer. Senti que me iria acontecer alguma coisa durante a noite e que só me encontrariam no dia seguinte já morta. Mas não foi o facto de só me encontrarem de manhã que me perturbou. Foi o facto de não viver o dia seguinte. O facto de deixar tanta coisa por fazer. De a minha vida acabar ainda antes de eu ter feito alguma coisa com ela. Foi uma sensação terrível. A morte olhava para mim, sorria, e perguntava-me sarcasticamente se me sentia invencível. E mostrou-me como iria recordar o dia seguinte. O dia que já não iria viver. Era negro, era vazio. Era nada. Não o conseguia imaginar. Eu não o viveria. Mas o tempo não iria parar e todos os outros vivos continuariam a enfrentar as horas.
Sou muito nova e ninguém espera que eu morra durante a noite. Assim como ninguém espera morrer aos 20, ou aos 30, ou aos 40, durante uma conversa animada, durante o sono, durante um jogo de futebol, durante um sorriso. Só esperam morrer quem se sente doente. Só os doentes parecem ter direito a sonhar com a morte. Só os doentes é k têm o direito de a imaginar.
Neste filme o que mais me marcou foi a viúva (peço desculpa a quem não viu o filme). Como é que uma mulher jovem como ela poderia resistir à perda de um marido querido e amado e de duas filhas ainda tão pequenas por atropelamento? Quem é que pode compreender? É ela que diz que a vida não continua. Como seria possível continuar? A vida é tão fragil, pode-se perder num segundo apenas. E esta mulher, momentos antes de saber que o seu marido e as suas filhas estão mortas, ouve no seu telemóvel, com um sorriso carinhoso, uma mensagem do seu marido a dizer que está a caminho de casa, para lhe telefonar se for preciso, ouve-o até repreender uma de suas filhas por se estar a meter com um pombo. E ela sorri. Adora a sua família. Vive para ela. Ama-os tanto. E, descansada, desliga o telemovel e espera pelo regresso deles. Mas o telefone toca. E a sua vida parou.
Tudo isto para dizer como me doeu saber que aquela mulher que era tão feliz, que se estava a reconstruir, perdeu de um momento para outro as três pessoas mais queridas, sem qualquer razão, sem qualquer aviso. Tão frágil a vida, tanto dos que foram como a dos que ficaram.
21 gramas... É isso que valemos?
terça-feira, março 09, 2004
Dream Brother
there is a child sleeping near his twin
the pictures go wild in a rush of wind
that dark angel he is shuffling in
watching over them with his black feather wings unfurled
the love you lost with her skin so fair
is free with the wind in her butterscotch hair
her green eyes bloom goodbyes
with her head in her hands and your kiss on the lips of another
dream brother
with your tears scattered round the world.
don't be like the one who made me so old
don't belie the one who left behind his name
'cause they're waiting for you like i waited for mine
and nobody ever came
i feel afraid and i call your name
i love your voice and your dance insane
i hear your words and i know your pain
your head in your hands and her kiss on the lips of another
your eyes to the ground
and the world spinning round forever
asleep in the sand with the ocean washing over
Jeff Buckley
there is a child sleeping near his twin
the pictures go wild in a rush of wind
that dark angel he is shuffling in
watching over them with his black feather wings unfurled
the love you lost with her skin so fair
is free with the wind in her butterscotch hair
her green eyes bloom goodbyes
with her head in her hands and your kiss on the lips of another
dream brother
with your tears scattered round the world.
don't be like the one who made me so old
don't belie the one who left behind his name
'cause they're waiting for you like i waited for mine
and nobody ever came
i feel afraid and i call your name
i love your voice and your dance insane
i hear your words and i know your pain
your head in your hands and her kiss on the lips of another
your eyes to the ground
and the world spinning round forever
asleep in the sand with the ocean washing over
Jeff Buckley
terça-feira, março 02, 2004
O Tempo é uma coisa engraçada. E assustadora para quem pensa nele. Hoje vou propor uma brincadeira. Que nem tem muita piada mas enfim... Vamos pensar nos nossos amigos, mas não ao nosso lado. Vamos imaginá-los em casa, com os pais, a jantar. Focalizem uma pessoa (eu não... assim não vale!) e imaginem.
O Fulano está sentado à mesa (se conhecerem a casa dessa pessoa, melhor). Tem os pais ao pé, e o irmão à frente. Imagina também o que estão a comer. E agora, o Fulano falou. O que ele disse? Imagina uma conversa entre ele e os pais. O que achas que ele diria? Qual seria a reacção dos pais? Espera! Como achas que o Fulano e os pais se dão, a sua relação? Se calhar não consigo transmitir o valor desta imagem. Tu conheces uma pessoa quando está contigo. Sabes as suas reacções a ti e ao teu grupo. Achas que essa pessoa é igual quando está em casa? A sua relação com os pais será igual à que tem contigo? As reacções, as respostas, serão dadas com o mesmo tom, o mesmo significado, a mesma intensão? Provavelmente não. E eu suponho que seja importante este tipo de "imaginação" para tentar saber.
Continuando o nosso jantar com Fulano... Imaginemos agora uma discussão. Primeiro que tudo, temos de arranjar um motivo. Ou será que Fulano discute sem motivos?... Quais seriam as reacções, as respostas, o volume da voz de Fulano? E já agora, dos pais e do irmão? Pronto, já chega de discussão (como será que se acalmaram?), vamos para outro ponto da casa. O Fulano está a ver televisão com o irmão, talvez, vamos supor. Qual será a posição do corpo? Que canal estará a ver? Será que vai brigar com o irmão pelo comando? Ou pelo jogo? Ou mesmo pelo lugar?!
(Para os mais criativos, podem imaginar o fulano na casa de banho... a fazer o que todos temos de fazer e que não deveria ser embaraçoso mas é...)
E agora, finalmente, vamos imaginar a parte mais importante. Vamos imaginar Fulano sozinho. Porque é que é importante? É importantissimo! É quando uma pessoa é realmente ela própria. Pensem em vocês e digam-me, pronto não a mim, mas a vocês, são totalmente iguais quando estão sozinhos e quando estão acompanhados? Nunca fizeram nada sozinhos que teriam muita vergonha se alguém vos visse? Não digo que estejam arrependidos, até porque há certas coisas que naturalmente devemos fazer com privacidade. Mas... serão a mesma pessoa? Imaginem agora,os vossos amigos, os vossos conhecidos, em casa, sozinhos. Pensas que sabes exactamente o que Fulano faz quando está sozinho no quarto? E imaginas o que ele pensa antes de adormecer?...
Apesar de tudo o que eu disse, o melhor é não imaginarmos ninguém. É invadir a sua privacidade, mesmo que seja só imaginação...
O Fulano está sentado à mesa (se conhecerem a casa dessa pessoa, melhor). Tem os pais ao pé, e o irmão à frente. Imagina também o que estão a comer. E agora, o Fulano falou. O que ele disse? Imagina uma conversa entre ele e os pais. O que achas que ele diria? Qual seria a reacção dos pais? Espera! Como achas que o Fulano e os pais se dão, a sua relação? Se calhar não consigo transmitir o valor desta imagem. Tu conheces uma pessoa quando está contigo. Sabes as suas reacções a ti e ao teu grupo. Achas que essa pessoa é igual quando está em casa? A sua relação com os pais será igual à que tem contigo? As reacções, as respostas, serão dadas com o mesmo tom, o mesmo significado, a mesma intensão? Provavelmente não. E eu suponho que seja importante este tipo de "imaginação" para tentar saber.
Continuando o nosso jantar com Fulano... Imaginemos agora uma discussão. Primeiro que tudo, temos de arranjar um motivo. Ou será que Fulano discute sem motivos?... Quais seriam as reacções, as respostas, o volume da voz de Fulano? E já agora, dos pais e do irmão? Pronto, já chega de discussão (como será que se acalmaram?), vamos para outro ponto da casa. O Fulano está a ver televisão com o irmão, talvez, vamos supor. Qual será a posição do corpo? Que canal estará a ver? Será que vai brigar com o irmão pelo comando? Ou pelo jogo? Ou mesmo pelo lugar?!
(Para os mais criativos, podem imaginar o fulano na casa de banho... a fazer o que todos temos de fazer e que não deveria ser embaraçoso mas é...)
E agora, finalmente, vamos imaginar a parte mais importante. Vamos imaginar Fulano sozinho. Porque é que é importante? É importantissimo! É quando uma pessoa é realmente ela própria. Pensem em vocês e digam-me, pronto não a mim, mas a vocês, são totalmente iguais quando estão sozinhos e quando estão acompanhados? Nunca fizeram nada sozinhos que teriam muita vergonha se alguém vos visse? Não digo que estejam arrependidos, até porque há certas coisas que naturalmente devemos fazer com privacidade. Mas... serão a mesma pessoa? Imaginem agora,os vossos amigos, os vossos conhecidos, em casa, sozinhos. Pensas que sabes exactamente o que Fulano faz quando está sozinho no quarto? E imaginas o que ele pensa antes de adormecer?...
Apesar de tudo o que eu disse, o melhor é não imaginarmos ninguém. É invadir a sua privacidade, mesmo que seja só imaginação...
segunda-feira, março 01, 2004
A Manhã - Parte II
Talvez agora possa adormecer. Deslizo pela banheira e mergulho a minha cabeça, os meus cabelos, dentro de água. Pronto, não me moverei mais. Assim, sem respirar, sem poder respirar, e sem sentir necessidade disso, vou adormecer. Finalmente, o sono eternamente pacífico que custava a vir. Terei coragem para permanecer debaixo de água? O meu corpo não me pede nada, deixa-se estar assim, parado, a morrer calmamente. Parece que estou a sorrir, por tão obediente, mas não sei, já não sinto nada. Como a morte pode ser doce. E agora vou deixar de pensar para acabar com isto de uma vez. Adeus…adeus… água…
Cobarde! Cobarde! Mal sentes a cabeça a latejar e os pulmões a contrair, mal te sentes a implodir, a fugir, desistes, e agora, cobarde, debruçada para fora do teu destino, fora da banheira, tosses tuberculosa, tanta força para expulsares de ti toda a água que te envenenava, juntamente com a expectoração da doença que julgaste ter passado. Vem tudo atrás, sim, o escarro negro do alcatrão que o tabaco te impôs nos pulmões. Que nojo! Nojenta! Sou nojenta! Odeio-me! Afinal o que estou a fazer?! Suicidar-me só porque preciso de descansar? Sem razão, sem motivos. E lá fora, no quarto, dorme a minha melhor amiga que jamais sorriria como ela sorri se me matasse. Ela não merece, eu não mereço. Não me mereço, não mereço este corpo, este corpo não me merece, que ódio a este corpo feio e fraco que me prende, que me aprisiona à vida e ao mesmo tempo não me deixa sentir. Pedes-me demasiado, Corpo, e não me dás nada de volta. Odeio-te e quero fazer-te sofrer, novamente. Com estes olhos que me cegam, procuro o cigarro inacabado que deixei cair enquanto me enojava. Lá está, vês, Corpo?, espera que já o sentes! Com esta mão que me prende, vou alcançar o cigarro e sem hesitar vou fundir-te, Corpo, àquelas cinzas ainda ardentes. Ah, já sentes?! Pede-me agora alguma coisa! Cala-te! Deixa-me viver, liberta-me. Ou liberta este peso que me consome. Ardes! Assim como todas as outras marcas que tenho no braço, parecem rugir contigo num piedoso “Pára…” E eu paro, porque também me castigas. O teu braço, Corpo, esconde-o dentro de água onde ainda te arderá a pele durante um bom bocado. Eu, eu vou dar uma ultima passa no cigarro já apagado mas não… não consigo, largo-o para o canto entre a banheira e o armário e volto a ti, Corpo. Contorcemos sobre nós, arde ainda, tanto, sua parva, não o devia ter feito, desculpa. Eu sei… digo sempre o mesmo e repito o ritual pouco tempo depois. Desculpa, Corpo, tens que perceber, preciso de me aliviar desta dor. Dói-me por dentro, tanto, sabes disso não sabes?, preciso trocar dores. E assim, sinto. E sabes como preciso de sentir. Arde-me, mas sinto-me dependente deste ardor. Tenho de deixar-me disto, eu sei. Tenho que fazer as pazes comigo própria, desculpa-me. Tenho de me lavar… lágrimas…
Choro? Sim, estou a chorar. Que vergonha, detesto chorar. Mas preciso. Hoje vou deixar as lágrimas correr e enquanto isso, vou embalando-me para me acalmar. Fraca, fraca… fraca… Pronto, já passou, chora tudo e não deixes voltar.
Abraçada a mim própria, sentada na banheira com água, balanço-me, procuro consolar-me, enquanto os músculos da minha cara se contorcem e disformam. Os meus olhos estão tão cerrados de vergonha que as lágrimas parecem não conseguir sair. Um gemido tímido corre pela minha boca entreaberta. Choro por todo o meu corpo, não o vou evitar. O nó sempre presente que me sufoca a garganta precisa de ser libertado e agora é o momento. Chorarei tudo. Sairá tudo de mim. Lavarei toda a sujidade da minha cabeça, todo o meu negrume se dissolverá nesta água que me rodeia e que nunca mais me tocará. Preciso deste escape. Tudo o que me pesa fugirá de mim nestas lágrimas que se juntam ao banho.
Aos poucos, a minha face parece voltar à sua forma original, os músculos vão relaxando, vou-me esvaziando e acalmando-me. Já só os olhos se encontram cerrados, ainda lacrimejando mas parece que são já as últimas lágrimas. Lentamente, recosto-me na banheira, ainda agarrada ao meu braço, já não arde, não, mas a marca ficou lá. Respiro fundo três vezes, como a minha falecida avó me ensinou, para terminar o choro. Mantenho os olhos fechados.
Pronto, já passou. Vou agora ficar aqui só mais um bocadinho até me sentir confortável o suficiente para voltar ao tempo. A água ainda me beija, ainda me lava, ainda me acalma. Diz-me para descansar um pouco, agora que estou mais leve, diz que se encarregará de exterminar aquelas lágrimas, aquelas cinzas, aquela imundice. E eu relaxo os músculos da minha testa e tento sorrir, um sorriso amarelado, e agradeço à água. Felizmente ela esquece aquilo que se passou, quem me dera esquecer também. Mas não vou recordar, vou agora simplesmente descansar mais um pouco…
Começo a tremer. Só agora reparo que a água está fria. Aqui parada é natural que comece a ter frio. Tenho que sair do banho, já chega. Abro os olhos e só agora, olhando para o tecto branco por cima de mim, sinto a dor de cabeça que me trouxeram as lágrimas. Devagar, por causa das tonturas que esta dor me pode dar, levanto-me e saio da banheira. Automaticamente, alcanço a toalha que se encontra pendurada atrás da porta. Seco o meu rosto e, em seguida, o pescoço, os braços, o tronco, as pernas e, por fim, enrolo a toalha à minha volta. Quando me viro para alcançar a toalha do cabelo deparo-me comigo no espelho. Continuo pálida. Mas agora tenho os olhos muito inchados, as olheiras bem fundas e negras e o braço vermelho. O espelho olha-me com repreensão. Desvio o olhar, não lhe vou responder, também não me orgulho do que aconteceu à bocado. Não vou voltar a para admirar a minha fealdade, só me deprime e não quero que isso volte a acontecer.
Enquanto enxugo o cabelo, tenho a cabeça inclinada e observo a banheira onde estive. Só eu sei o que ali se passou. Eu e ela, e estas paredes. Mas, apesar disso, a banheira parece pouco se importar; ainda com a água e lágrimas, está tão calma, serena, parada. Será que aconteceu mesmo? Ah, sim… ali está o cigarro, não me posso esquecer de o enviar pela sanita para que a minha companheira não descubra.
Enrolo, por fim, a toalha à cabeça com o jeito que sempre faço. Tiro a tampa da banheira e a água começa a desaparecer pelo buraquinho. Pego no cigarro como se não fosse meu e atiro-o para a sanita, puxando imediatamente o autoclismo. Sem me deter, visto a roupa interior enquanto oiço a água a fugir pelo cano. Visto o roupão e ainda observo as últimas gotas a caírem pelo ralo da banheira. Adeus, Momento. Pego no pijama suado e preparo-me para sair da casa-de-banho. E, só agora, me detenho.
Com a mão no puxador e a roupa no outro braço, paro, por momentos. Vou voltar. Vou viver. Quando abrir esta porta a frescura desta manhã vai entrar aqui, vai cheirar-me, o tempo vai voltar a andar e eu vou voltar a viver. Como se estivesse a representar um grande filme de cinema, rodo devagar o puxador e vou abrindo a porta. Sinto-me como estivesse a deixar o local de um crime cometido por mim. Um crime hediondo e incompreensível. E cada vez se torna mais incompreensível, até para mim, ao abrir a porta da casa-de-banho.
A janela do fundo do corredor ilumina-o. Tanta luz, tanta vida mas paredes estáticas. Ao sair da casa-de-banho sinto o cheiro da manhã. Fresco. Doce. Agradável. Era até capaz de me pôr a sorrir. Como poderia eu não querer viver esta manhã que se apresenta tão bela? É tão bom estar viva.
Chego ao quarto entretida com estes meus pensamentos. O rádio está ligado, oiço uma música muito simples e muito agradável. Ideal para uma manhã aparentemente tão doce. O despertador supostamente desperta, mas esta musiquinha não consegue acordar ninguém, muito menos a minha companheira.
Atento agora nela. Ainda está na mesma posição desleixada de à bocado. Nada mudou no quarto. Apenas chegou mais luz e a música entrou. Em todo este descanso, sinto-me a mais. Olho para ela. Se soubesses o que aconteceu… perdoar-me-ias? Mas ainda bem que não sabes. Assim, é como se nunca tivesse acontecido. Assim, voltarás a sorrir-me e voltarás a mandar-me das tuas piadas e bocas criticas mas carinhosas.
Mas aconteceu. E isso vai-me atormentar durante uns tempos. Não foi só hoje, pois não?! Já não é a primeira vez que o faço e tenho sempre vergonha. Mas não deixo de o repetir. Tenho que me sentar. Na ponta da cama, de frente para a janela iluminada. Não o posso repetir, não me posso voltar a humilhar a este ponto. Acho que preciso de ajuda. E preciso de me perdoar. E, para isso, preciso de parar. Não o devia ter feito. Mas agora está marcado.
Ainda me dói a cabeça, já pouco mas dói. Preciso de descansar. Parece que o cansaço e o sono voltaram. Antes de me vestir vou só deitar-me aqui um bocadinho, vou descansar a cabeça. Não, não vale a pena pôr-me debaixo dos lençóis, é só um bocadinho, se calhar nem durmo, é só fechar os olhos. Estou cansada…
Deito-me sobre a cama, agarrada ao braço. E no preciso momento em que adormeço, a minha companheira acorda do seu doce sonho.
FIM
PS: Aconselho a leitura deste texto ao som da música Caramel de Blur. E, se possível, o momento 3min e 50 s da música estar no momento da pausa, dos dois parágrafos seguidos (depois de “Adeus…água…” e antes de “Cobarde! Cobarde!”) … Se não conseguir ler tão depressa (o que é muito provável…) é favor parar a música até chegar a esse momento porque se não não se sente o que se deveria sentir na altura...
Talvez agora possa adormecer. Deslizo pela banheira e mergulho a minha cabeça, os meus cabelos, dentro de água. Pronto, não me moverei mais. Assim, sem respirar, sem poder respirar, e sem sentir necessidade disso, vou adormecer. Finalmente, o sono eternamente pacífico que custava a vir. Terei coragem para permanecer debaixo de água? O meu corpo não me pede nada, deixa-se estar assim, parado, a morrer calmamente. Parece que estou a sorrir, por tão obediente, mas não sei, já não sinto nada. Como a morte pode ser doce. E agora vou deixar de pensar para acabar com isto de uma vez. Adeus…adeus… água…
Cobarde! Cobarde! Mal sentes a cabeça a latejar e os pulmões a contrair, mal te sentes a implodir, a fugir, desistes, e agora, cobarde, debruçada para fora do teu destino, fora da banheira, tosses tuberculosa, tanta força para expulsares de ti toda a água que te envenenava, juntamente com a expectoração da doença que julgaste ter passado. Vem tudo atrás, sim, o escarro negro do alcatrão que o tabaco te impôs nos pulmões. Que nojo! Nojenta! Sou nojenta! Odeio-me! Afinal o que estou a fazer?! Suicidar-me só porque preciso de descansar? Sem razão, sem motivos. E lá fora, no quarto, dorme a minha melhor amiga que jamais sorriria como ela sorri se me matasse. Ela não merece, eu não mereço. Não me mereço, não mereço este corpo, este corpo não me merece, que ódio a este corpo feio e fraco que me prende, que me aprisiona à vida e ao mesmo tempo não me deixa sentir. Pedes-me demasiado, Corpo, e não me dás nada de volta. Odeio-te e quero fazer-te sofrer, novamente. Com estes olhos que me cegam, procuro o cigarro inacabado que deixei cair enquanto me enojava. Lá está, vês, Corpo?, espera que já o sentes! Com esta mão que me prende, vou alcançar o cigarro e sem hesitar vou fundir-te, Corpo, àquelas cinzas ainda ardentes. Ah, já sentes?! Pede-me agora alguma coisa! Cala-te! Deixa-me viver, liberta-me. Ou liberta este peso que me consome. Ardes! Assim como todas as outras marcas que tenho no braço, parecem rugir contigo num piedoso “Pára…” E eu paro, porque também me castigas. O teu braço, Corpo, esconde-o dentro de água onde ainda te arderá a pele durante um bom bocado. Eu, eu vou dar uma ultima passa no cigarro já apagado mas não… não consigo, largo-o para o canto entre a banheira e o armário e volto a ti, Corpo. Contorcemos sobre nós, arde ainda, tanto, sua parva, não o devia ter feito, desculpa. Eu sei… digo sempre o mesmo e repito o ritual pouco tempo depois. Desculpa, Corpo, tens que perceber, preciso de me aliviar desta dor. Dói-me por dentro, tanto, sabes disso não sabes?, preciso trocar dores. E assim, sinto. E sabes como preciso de sentir. Arde-me, mas sinto-me dependente deste ardor. Tenho de deixar-me disto, eu sei. Tenho que fazer as pazes comigo própria, desculpa-me. Tenho de me lavar… lágrimas…
Choro? Sim, estou a chorar. Que vergonha, detesto chorar. Mas preciso. Hoje vou deixar as lágrimas correr e enquanto isso, vou embalando-me para me acalmar. Fraca, fraca… fraca… Pronto, já passou, chora tudo e não deixes voltar.
Abraçada a mim própria, sentada na banheira com água, balanço-me, procuro consolar-me, enquanto os músculos da minha cara se contorcem e disformam. Os meus olhos estão tão cerrados de vergonha que as lágrimas parecem não conseguir sair. Um gemido tímido corre pela minha boca entreaberta. Choro por todo o meu corpo, não o vou evitar. O nó sempre presente que me sufoca a garganta precisa de ser libertado e agora é o momento. Chorarei tudo. Sairá tudo de mim. Lavarei toda a sujidade da minha cabeça, todo o meu negrume se dissolverá nesta água que me rodeia e que nunca mais me tocará. Preciso deste escape. Tudo o que me pesa fugirá de mim nestas lágrimas que se juntam ao banho.
Aos poucos, a minha face parece voltar à sua forma original, os músculos vão relaxando, vou-me esvaziando e acalmando-me. Já só os olhos se encontram cerrados, ainda lacrimejando mas parece que são já as últimas lágrimas. Lentamente, recosto-me na banheira, ainda agarrada ao meu braço, já não arde, não, mas a marca ficou lá. Respiro fundo três vezes, como a minha falecida avó me ensinou, para terminar o choro. Mantenho os olhos fechados.
Pronto, já passou. Vou agora ficar aqui só mais um bocadinho até me sentir confortável o suficiente para voltar ao tempo. A água ainda me beija, ainda me lava, ainda me acalma. Diz-me para descansar um pouco, agora que estou mais leve, diz que se encarregará de exterminar aquelas lágrimas, aquelas cinzas, aquela imundice. E eu relaxo os músculos da minha testa e tento sorrir, um sorriso amarelado, e agradeço à água. Felizmente ela esquece aquilo que se passou, quem me dera esquecer também. Mas não vou recordar, vou agora simplesmente descansar mais um pouco…
Começo a tremer. Só agora reparo que a água está fria. Aqui parada é natural que comece a ter frio. Tenho que sair do banho, já chega. Abro os olhos e só agora, olhando para o tecto branco por cima de mim, sinto a dor de cabeça que me trouxeram as lágrimas. Devagar, por causa das tonturas que esta dor me pode dar, levanto-me e saio da banheira. Automaticamente, alcanço a toalha que se encontra pendurada atrás da porta. Seco o meu rosto e, em seguida, o pescoço, os braços, o tronco, as pernas e, por fim, enrolo a toalha à minha volta. Quando me viro para alcançar a toalha do cabelo deparo-me comigo no espelho. Continuo pálida. Mas agora tenho os olhos muito inchados, as olheiras bem fundas e negras e o braço vermelho. O espelho olha-me com repreensão. Desvio o olhar, não lhe vou responder, também não me orgulho do que aconteceu à bocado. Não vou voltar a para admirar a minha fealdade, só me deprime e não quero que isso volte a acontecer.
Enquanto enxugo o cabelo, tenho a cabeça inclinada e observo a banheira onde estive. Só eu sei o que ali se passou. Eu e ela, e estas paredes. Mas, apesar disso, a banheira parece pouco se importar; ainda com a água e lágrimas, está tão calma, serena, parada. Será que aconteceu mesmo? Ah, sim… ali está o cigarro, não me posso esquecer de o enviar pela sanita para que a minha companheira não descubra.
Enrolo, por fim, a toalha à cabeça com o jeito que sempre faço. Tiro a tampa da banheira e a água começa a desaparecer pelo buraquinho. Pego no cigarro como se não fosse meu e atiro-o para a sanita, puxando imediatamente o autoclismo. Sem me deter, visto a roupa interior enquanto oiço a água a fugir pelo cano. Visto o roupão e ainda observo as últimas gotas a caírem pelo ralo da banheira. Adeus, Momento. Pego no pijama suado e preparo-me para sair da casa-de-banho. E, só agora, me detenho.
Com a mão no puxador e a roupa no outro braço, paro, por momentos. Vou voltar. Vou viver. Quando abrir esta porta a frescura desta manhã vai entrar aqui, vai cheirar-me, o tempo vai voltar a andar e eu vou voltar a viver. Como se estivesse a representar um grande filme de cinema, rodo devagar o puxador e vou abrindo a porta. Sinto-me como estivesse a deixar o local de um crime cometido por mim. Um crime hediondo e incompreensível. E cada vez se torna mais incompreensível, até para mim, ao abrir a porta da casa-de-banho.
A janela do fundo do corredor ilumina-o. Tanta luz, tanta vida mas paredes estáticas. Ao sair da casa-de-banho sinto o cheiro da manhã. Fresco. Doce. Agradável. Era até capaz de me pôr a sorrir. Como poderia eu não querer viver esta manhã que se apresenta tão bela? É tão bom estar viva.
Chego ao quarto entretida com estes meus pensamentos. O rádio está ligado, oiço uma música muito simples e muito agradável. Ideal para uma manhã aparentemente tão doce. O despertador supostamente desperta, mas esta musiquinha não consegue acordar ninguém, muito menos a minha companheira.
Atento agora nela. Ainda está na mesma posição desleixada de à bocado. Nada mudou no quarto. Apenas chegou mais luz e a música entrou. Em todo este descanso, sinto-me a mais. Olho para ela. Se soubesses o que aconteceu… perdoar-me-ias? Mas ainda bem que não sabes. Assim, é como se nunca tivesse acontecido. Assim, voltarás a sorrir-me e voltarás a mandar-me das tuas piadas e bocas criticas mas carinhosas.
Mas aconteceu. E isso vai-me atormentar durante uns tempos. Não foi só hoje, pois não?! Já não é a primeira vez que o faço e tenho sempre vergonha. Mas não deixo de o repetir. Tenho que me sentar. Na ponta da cama, de frente para a janela iluminada. Não o posso repetir, não me posso voltar a humilhar a este ponto. Acho que preciso de ajuda. E preciso de me perdoar. E, para isso, preciso de parar. Não o devia ter feito. Mas agora está marcado.
Ainda me dói a cabeça, já pouco mas dói. Preciso de descansar. Parece que o cansaço e o sono voltaram. Antes de me vestir vou só deitar-me aqui um bocadinho, vou descansar a cabeça. Não, não vale a pena pôr-me debaixo dos lençóis, é só um bocadinho, se calhar nem durmo, é só fechar os olhos. Estou cansada…
Deito-me sobre a cama, agarrada ao braço. E no preciso momento em que adormeço, a minha companheira acorda do seu doce sonho.
FIM
PS: Aconselho a leitura deste texto ao som da música Caramel de Blur. E, se possível, o momento 3min e 50 s da música estar no momento da pausa, dos dois parágrafos seguidos (depois de “Adeus…água…” e antes de “Cobarde! Cobarde!”) … Se não conseguir ler tão depressa (o que é muito provável…) é favor parar a música até chegar a esse momento porque se não não se sente o que se deveria sentir na altura...
domingo, fevereiro 22, 2004
A Manhã - Parte I
Acordei. De um grande pesadelo, suponho, porque estou enchardada em suor. Sento-me na cama como a descansar da noite, à espera que o meu coração acalme e que esfrie o meu corpo. Respiro fundo.
Assim sentada, olho pela janela à minha frente. É daquelas janelas grandes que vão desde o chão até quase ao tecto. São optimas para deixar a luz entrar no quarto suado e para nos aliviar o espaço fechado destas quatro paredes. Mas hoje, neste momento, ainda não transborda muita luz. Deve ter amanhecido há instantes. Oiço ainda pequenas gotas de àgua pingarem sobre o parapeito, fazendo-se soar. Nada melhor que o som do orvalho, da ultima chuva para acalmar o coração que pulava. Levanto-me e vou até à janela. Espreito para a rua, onde passa um carro apenas e tudo parece estático. O chão molhado mas de uma doçura tão fresca como a manhã. Os tons laranja que o Sol traz são a unica vida que vejo.
Atento agora no meu quarto. A um canto, a minha companheira ainda dorme na sua cama. Invejo-lhe a paz, a serenidade... os sonhos bons. Até a posição desleixada com que dorme, metade do corpo fora do lençol, de boca aberta e ocupando bastante espaço. Faz-me sorrir. Somos tão diferentes mas é essa mesma diferença que nos aproxima. É bom chegar a casa e não ter de enfrentar os olhares apodrecidos das paredes, as faces palidas da familia que se julga idela. Eu não mudei mas sinto-me mais leve sem ter de enfrentar todos os dias a desilusão da minha família. Pelo menos, a minha companheira é boa amiga e faz-me sorrir. Algo que por vezes pode ser bastante difícil. Somo agora... Agora que acordei e estou sozinha, porque todo o Mundo ainda dorme.
Olho agora para o resto do quarto, como se o visse pela primeira vez. Uma cómoda ao lado da janela com uma gaveta entreaberta e uma manga branca a espreitar para fora. Em cima, uma imensidão de frascos e frasquinhos, perfumes, desodorizantes, cremes, lacas, "gel"s . E mais uma quantidade de maquilhagens espalhadas, como se alguém tivesse fugido no momento em que se arranjava. Um roupeiro junto à minha cama, fachado, escondendo talvez a pele de alguém. O chão alcatifado com rascunhos, apontamentos, esquemas e auxiliares de memória espalhados pelo vento da respiração do estudo. Tudo isto... é o dia de ontem. Se avaliar cada pormenor com atenção posso descobrir tudo o que se passou ontem e em que momento a minha companheira adormeceu. Todos estes objectos ficaram presos nesse momento. E eu acordei umas horas depois...
Tentando não pisar muitos dos papeis aparentemente desorganizados no chão, saio do quarto e vou para a casa de banho. Sinto-me bastante incomodada com a roupa colada ao meu corpo pelo suor do sonho. Preciso de um banho... Preciso não só de me limpar da imundice dos meus lençois mas também da sujidade da minha cabeça. E é no banho que me refugio, que me encontro e me volto a perder. E tenho tempo para o fazer outra vez, o sono foi-se e o dia mal chegou.
Enquanto a água enche a banheira, dispo-me lentamente. Olho de relance para o espelho mas tenho de para e voltar a olhar... Estarei viva? Todo o meu corpo está palido e magro, os meus olhos ainda estão inchados da noite anterior (felizmente, sei chorar em silêncio), os meus lábios finos estão esbatidos, as minhas palpebras estão pesadas, o meu cabelo está... louco, será talvez a melhor palavra. Fito-me por momentos, como confrontando-me com a vida. Mas depressa desisto de procurar alento naqueles olhos vazios.
Vagarosamente, vou entrando na banheira. Já não sei entrar a outra velocidade. Gosto de sentir a água a envolver-me aos poucos, a engolir cada pedaço de pele do meu corpo e a sugar-me a sensação de sujidade. E acalma-me, a paz da água, fresca, convida-me a acomodar-me, a sentir-me em casa, de volta a casa, de volta ao útero de minha mãe. Bem, mãe biológica porque não tive outra. E nem vou vaguear sobre isso agora, não é o momento. Encosto-me já confortável e sem peso no meu banho e fecho os olhos, saboreando. Não sei quanto tempo assim fico, simplesmente saboreando, mas não me interessa, o tempo parou e preciso de sentir esta liberdade momentânea. É estranho, chamar-lhe liberdade, mas é o que eu sinto, é o peso do meu corpo que se afoga nesta água, só me pesa a cabeça, nada mais. É libertador.
Apetece-me um cigarro... Felizmente, ainda tenho alguns no maço que escondo naquele canto entre a banheira e o armário. Eu sei, devia deixar, mas não tenho muita facilidade em deixar vícios... Acendo o isqueiro com alguma dificuldade e, por momentos, escassos, admiro o poder da chama. Chamou-me outra vez mas não, hoje não a vou apreciar mais. Acendo o cigarro e dou a primeira golfada... É uma sensação estranha para mim, sentir um fogo a entrar-me pela garganta adentro enquanto a água me beija o corpo. Mas sabe-me bem. Recosto-me novamente na banheira, fecho os olhos e sinto.
Preciso de sentir. Os dias passam, as horas passam, e eu não as sinto passar. Preciso de viver, de me sentir viva. E esta angústia de viver pesa-me muito. Um negrume dentro de mim que me vai consumindo. Eu luto, a sério que luto, contra este aperto, até porque não imagino o que seria de mim se não o fizesse. Poderia rebentar, talvez. É difícil, por vezes, aguentar o peso sem procurar aliviá-lo. E pior é não encontrar maneiras melhores de o fazer. Devia gritar, mas não tenho voz nem coragem de o fazer, poderiam ouvir-me e fechar-me num quarto pequeno onde a loucura me faria finalmente companhia. Devia correr, mas não tenho forças nem vontade de me mover tanto. Devia falar, mas a libertação das palavras iria prender-me à confusão e à angustia de quem ouviria tais negros ditos. Às vezes pergunto-me se não haverá outra solução. Decerto haverá mas é difícil acreditar, quanto mais encontrá-la. Suponho que esteja doente. Não só de corpo, já tão fraco e sem razão, mas também de espirito, igualmente sem razão para estar fraco. Não sei porque estou assim. Não me aconteceu nada. Nada... se calhar foi essa mesma inexistência de coisas alguma. O cansaço constante, os pesadelos, o suor, as insónias, os olhares. Tudo parece sem significado, sem qualquer origem obvia. Mas o que é facto é que estão cá, sempre presentes. E eu preciso de aliviar. Preciso de descansar. Preciso de esquecer, deixem-me um momento só, por favor, só agora, neste banho, nesta manhã eterna em que o sol se esqueceu de terminar o seu sono. Pode...? Obrigada... estava a precisar desta paz.
Acordei. De um grande pesadelo, suponho, porque estou enchardada em suor. Sento-me na cama como a descansar da noite, à espera que o meu coração acalme e que esfrie o meu corpo. Respiro fundo.
Assim sentada, olho pela janela à minha frente. É daquelas janelas grandes que vão desde o chão até quase ao tecto. São optimas para deixar a luz entrar no quarto suado e para nos aliviar o espaço fechado destas quatro paredes. Mas hoje, neste momento, ainda não transborda muita luz. Deve ter amanhecido há instantes. Oiço ainda pequenas gotas de àgua pingarem sobre o parapeito, fazendo-se soar. Nada melhor que o som do orvalho, da ultima chuva para acalmar o coração que pulava. Levanto-me e vou até à janela. Espreito para a rua, onde passa um carro apenas e tudo parece estático. O chão molhado mas de uma doçura tão fresca como a manhã. Os tons laranja que o Sol traz são a unica vida que vejo.
Atento agora no meu quarto. A um canto, a minha companheira ainda dorme na sua cama. Invejo-lhe a paz, a serenidade... os sonhos bons. Até a posição desleixada com que dorme, metade do corpo fora do lençol, de boca aberta e ocupando bastante espaço. Faz-me sorrir. Somos tão diferentes mas é essa mesma diferença que nos aproxima. É bom chegar a casa e não ter de enfrentar os olhares apodrecidos das paredes, as faces palidas da familia que se julga idela. Eu não mudei mas sinto-me mais leve sem ter de enfrentar todos os dias a desilusão da minha família. Pelo menos, a minha companheira é boa amiga e faz-me sorrir. Algo que por vezes pode ser bastante difícil. Somo agora... Agora que acordei e estou sozinha, porque todo o Mundo ainda dorme.
Olho agora para o resto do quarto, como se o visse pela primeira vez. Uma cómoda ao lado da janela com uma gaveta entreaberta e uma manga branca a espreitar para fora. Em cima, uma imensidão de frascos e frasquinhos, perfumes, desodorizantes, cremes, lacas, "gel"s . E mais uma quantidade de maquilhagens espalhadas, como se alguém tivesse fugido no momento em que se arranjava. Um roupeiro junto à minha cama, fachado, escondendo talvez a pele de alguém. O chão alcatifado com rascunhos, apontamentos, esquemas e auxiliares de memória espalhados pelo vento da respiração do estudo. Tudo isto... é o dia de ontem. Se avaliar cada pormenor com atenção posso descobrir tudo o que se passou ontem e em que momento a minha companheira adormeceu. Todos estes objectos ficaram presos nesse momento. E eu acordei umas horas depois...
Tentando não pisar muitos dos papeis aparentemente desorganizados no chão, saio do quarto e vou para a casa de banho. Sinto-me bastante incomodada com a roupa colada ao meu corpo pelo suor do sonho. Preciso de um banho... Preciso não só de me limpar da imundice dos meus lençois mas também da sujidade da minha cabeça. E é no banho que me refugio, que me encontro e me volto a perder. E tenho tempo para o fazer outra vez, o sono foi-se e o dia mal chegou.
Enquanto a água enche a banheira, dispo-me lentamente. Olho de relance para o espelho mas tenho de para e voltar a olhar... Estarei viva? Todo o meu corpo está palido e magro, os meus olhos ainda estão inchados da noite anterior (felizmente, sei chorar em silêncio), os meus lábios finos estão esbatidos, as minhas palpebras estão pesadas, o meu cabelo está... louco, será talvez a melhor palavra. Fito-me por momentos, como confrontando-me com a vida. Mas depressa desisto de procurar alento naqueles olhos vazios.
Vagarosamente, vou entrando na banheira. Já não sei entrar a outra velocidade. Gosto de sentir a água a envolver-me aos poucos, a engolir cada pedaço de pele do meu corpo e a sugar-me a sensação de sujidade. E acalma-me, a paz da água, fresca, convida-me a acomodar-me, a sentir-me em casa, de volta a casa, de volta ao útero de minha mãe. Bem, mãe biológica porque não tive outra. E nem vou vaguear sobre isso agora, não é o momento. Encosto-me já confortável e sem peso no meu banho e fecho os olhos, saboreando. Não sei quanto tempo assim fico, simplesmente saboreando, mas não me interessa, o tempo parou e preciso de sentir esta liberdade momentânea. É estranho, chamar-lhe liberdade, mas é o que eu sinto, é o peso do meu corpo que se afoga nesta água, só me pesa a cabeça, nada mais. É libertador.
Apetece-me um cigarro... Felizmente, ainda tenho alguns no maço que escondo naquele canto entre a banheira e o armário. Eu sei, devia deixar, mas não tenho muita facilidade em deixar vícios... Acendo o isqueiro com alguma dificuldade e, por momentos, escassos, admiro o poder da chama. Chamou-me outra vez mas não, hoje não a vou apreciar mais. Acendo o cigarro e dou a primeira golfada... É uma sensação estranha para mim, sentir um fogo a entrar-me pela garganta adentro enquanto a água me beija o corpo. Mas sabe-me bem. Recosto-me novamente na banheira, fecho os olhos e sinto.
Preciso de sentir. Os dias passam, as horas passam, e eu não as sinto passar. Preciso de viver, de me sentir viva. E esta angústia de viver pesa-me muito. Um negrume dentro de mim que me vai consumindo. Eu luto, a sério que luto, contra este aperto, até porque não imagino o que seria de mim se não o fizesse. Poderia rebentar, talvez. É difícil, por vezes, aguentar o peso sem procurar aliviá-lo. E pior é não encontrar maneiras melhores de o fazer. Devia gritar, mas não tenho voz nem coragem de o fazer, poderiam ouvir-me e fechar-me num quarto pequeno onde a loucura me faria finalmente companhia. Devia correr, mas não tenho forças nem vontade de me mover tanto. Devia falar, mas a libertação das palavras iria prender-me à confusão e à angustia de quem ouviria tais negros ditos. Às vezes pergunto-me se não haverá outra solução. Decerto haverá mas é difícil acreditar, quanto mais encontrá-la. Suponho que esteja doente. Não só de corpo, já tão fraco e sem razão, mas também de espirito, igualmente sem razão para estar fraco. Não sei porque estou assim. Não me aconteceu nada. Nada... se calhar foi essa mesma inexistência de coisas alguma. O cansaço constante, os pesadelos, o suor, as insónias, os olhares. Tudo parece sem significado, sem qualquer origem obvia. Mas o que é facto é que estão cá, sempre presentes. E eu preciso de aliviar. Preciso de descansar. Preciso de esquecer, deixem-me um momento só, por favor, só agora, neste banho, nesta manhã eterna em que o sol se esqueceu de terminar o seu sono. Pode...? Obrigada... estava a precisar desta paz.
sexta-feira, janeiro 23, 2004
O tempo... tem-me assaltado ultimamente. Voltaram as questões sobre o tempo, a sua essência e existencia. E há muito que debater e explorar.
Estou sentada nas escadas a olhar a parede. Espero que algo aconteça. E é aqui que me pergunto.. O tempo estará a passar? Que pergunta.. claro que sim, o tempo não pára, o tempo não espera por nós, porque haveria de parar neste momento?! Mas.. o tempo não passa numa fotografia, pois não? A fotografia é uma captação de um momento, um instante. Quando olhamos uma fotografia, vemos um instante, não é um segundo ou um milésimo de segundo porque não há qualquer acção, nada se move, está tudo parado naquele momento. Roubámos ao tempo um momento. É claro que o papel em que está impressa a fotografia, ou o monitor em que vemos a fotografia vão envelhecer, vão passar pelo tempo. Mas o conteudo.. é sempre um momento que foi roubado, foi parado ali. E eu, neste momento, olho uma parede e nada de move.. estarei presa numa fotografia? E o som? Também não oiço nada. Será que parei mesmo no tempo? Quem me garante que estou a envelhecer agora, aqui sentada? Posso muito bem perder-me nos meus pensamentos e jamais acordar porque não há nada nesta realidade que me chame a atenção.
Acontece-me tanta vez, perder-me em mim num local estatico. Especialmente quando acordo de manhã. Quando o inconsciente ainda nos dirige umas palavrinhas, quando não queremos deixar de sonhar e inventar pensamentos. Nessas alturas, quando me levanto automaticamente e me dirijo para a casa de banho, entro num espaço tão parado que poderia voltar a adormecer dentro de mim. Não sinto o tempo a passar. Não me movo durante.. não sei bem.. dez minutos(?) sem me aperceber que estou acordada e que não estou a fitar as minhas palpebras fechadas. Isto porque nada se move. Uma fotografia. Um momento. Talvez passados esses minutos, lá ganhe coragem para acordar efectivamente para a realidade e começar a preparar-me para um novo dia. Mais umas horas, mais um tempo.
Estou sentada nas escadas a olhar a parede. Espero que algo aconteça. E é aqui que me pergunto.. O tempo estará a passar? Que pergunta.. claro que sim, o tempo não pára, o tempo não espera por nós, porque haveria de parar neste momento?! Mas.. o tempo não passa numa fotografia, pois não? A fotografia é uma captação de um momento, um instante. Quando olhamos uma fotografia, vemos um instante, não é um segundo ou um milésimo de segundo porque não há qualquer acção, nada se move, está tudo parado naquele momento. Roubámos ao tempo um momento. É claro que o papel em que está impressa a fotografia, ou o monitor em que vemos a fotografia vão envelhecer, vão passar pelo tempo. Mas o conteudo.. é sempre um momento que foi roubado, foi parado ali. E eu, neste momento, olho uma parede e nada de move.. estarei presa numa fotografia? E o som? Também não oiço nada. Será que parei mesmo no tempo? Quem me garante que estou a envelhecer agora, aqui sentada? Posso muito bem perder-me nos meus pensamentos e jamais acordar porque não há nada nesta realidade que me chame a atenção.
Acontece-me tanta vez, perder-me em mim num local estatico. Especialmente quando acordo de manhã. Quando o inconsciente ainda nos dirige umas palavrinhas, quando não queremos deixar de sonhar e inventar pensamentos. Nessas alturas, quando me levanto automaticamente e me dirijo para a casa de banho, entro num espaço tão parado que poderia voltar a adormecer dentro de mim. Não sinto o tempo a passar. Não me movo durante.. não sei bem.. dez minutos(?) sem me aperceber que estou acordada e que não estou a fitar as minhas palpebras fechadas. Isto porque nada se move. Uma fotografia. Um momento. Talvez passados esses minutos, lá ganhe coragem para acordar efectivamente para a realidade e começar a preparar-me para um novo dia. Mais umas horas, mais um tempo.
segunda-feira, janeiro 19, 2004
Passeava agora pelo monitor do meu computador. Depois de um episódio nada alegre do "As If", depois de martirizar-me com pensamentos estranhos, depois de todas as horas que tenho enfrentado, encontro um botão, no monitor do meu computador, que me diz "Help". Instintivamente, penso em carregar no botão com a setinha que controlo... Depois acordo...
sexta-feira, janeiro 16, 2004
Soneto
Que o fogoso Sol deixe de brilhar;
Que o longo Rio se esqueça de nascer;
Que a Criança apenas deseje morrer;
Que o Mundo pare e deixe de girar;
Que a Canção não sirva para embalar;
Que o Sorriso não saiba mais prender;
Que o Coração não consiga bater;
Que o lindo Sonho se recuse a voar;
Enfim, que Tudo perca o seu valor
Se a minha leda chama não viva
Mais por tua felicidade, mas dor.
E, que com Tudo se vá o meu furor
Se com esta sincera tentativa
Não conseguir traduzir o meu Amor.
Que o fogoso Sol deixe de brilhar;
Que o longo Rio se esqueça de nascer;
Que a Criança apenas deseje morrer;
Que o Mundo pare e deixe de girar;
Que a Canção não sirva para embalar;
Que o Sorriso não saiba mais prender;
Que o Coração não consiga bater;
Que o lindo Sonho se recuse a voar;
Enfim, que Tudo perca o seu valor
Se a minha leda chama não viva
Mais por tua felicidade, mas dor.
E, que com Tudo se vá o meu furor
Se com esta sincera tentativa
Não conseguir traduzir o meu Amor.
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