quinta-feira, setembro 02, 2004

Só chegaste agora... Devias ter chegado um pouco antes. Agora já não sei o que te dizer. Sabes, estive aqui tempos sozinha, esperando-te. É curioso como as pessoas que passavam por mim várias vezes, cada vez com mais compras, olhavam-me com pena, com medo também. Detesto cruzar-me com gente conhecida quando estou sozinha. Não quis parar num sitio. Isso não podia ser, só mostrava a minha impaciência. Andei por todas aquelas ruas, fingindo ter um lugar para ir, evitando passar na mesma rua mais que duas vezes. Uma vez, parei numa loja. Entrei. Passeei-me por lá, vendo ao promenor o que vendiam, mesmo sem estar minimamente interessada. Devo ter demorado demasiado tempo, mais do que um normal comprador necessita, porque um funcionário da loja olhou tantas vezes para mim que teve mesmo de me vir perguntar se precisava de ajuda. Disse que não, obrigada. Saí passado pouco tempo, já me tornara suspeita. Percorri todos os lugares por onde podia ir e voltei ao ponto de partida onde tu ainda não estavas. Sentei onde antes estivera sentado um mendigo. Vê lá, até ele tem outro sitio para onde ir. Pensei e repensei em tudo o que te tinha para dizer. Todos essas ideias, essas confusões rebolavam na minha cabeça, pedindo ordem e libertação. E eu ia libertá-las contigo, extrair tudo, deixar-me esvaziar totalmente. Ia ficar exausta. Ia dar-te o poder de me destruir ou de me salvares. Terias tudo para isso. Mas tanto revolvi na minha cabeça, tanto arrumei para te mostrar que se tornou ridiculo. Como quando repetes uma palavra tantas vezes que, no fim, já não te recordas do que significa. Já não ia significar nada. A conversa que iamos ter já tinha sido totalmente imaginada na minha cabeça, todas as conversas possiveis, e jáo não conseguiria improvisar mais. Só chegaste agora, e agora já não tenho mais nada para te dizer. Talvez tenhas tu mais uma palavra para eu ouvir.

Sabes quando ouves uma música e te sentes apaixonado? Mesmo sem pensares em ninguém. Quando a música te pede para chorares, a voz triste que pede um acompanhamento. E sentes-te bem quando choras. Quando deixas que a música te leve. Sabes essa sensação? A música não é só ruído, não. É tanto sentimento. Não ouves, naquela guitarra delirante, na distorção que usa, nos acordes, nas notas, nos dedilhados, na raiva com que toca, na tristeza com que brinca com as cordas? E a voz, não a ouves, vinda mesmo lá de dentro, chorando palavras e gritos de esperança, de desilusão, de amor? Será que canta para alguém? Ou simplesmente canta para aquela música que a fez apaixonar, como a mim me faz? Conseguia escrever uma carta de amor sem amar ninguém. Bastava ouvir aquela música. Sabes qual é, não sabes? Queres... ouvi-la comigo?

1 comentário:

DNS disse...

Talvez essa música seja a representação de uma pessoa no teu inconsciente... já me aconteceu mas com poesia.

Escrita simples, inocente e sentida :) parabéns