sábado, novembro 16, 2013

Seis anos

Que foi? Perguntas e sorris-me de volta. Lá dei por mim a observar-te de novo. Seis anos, recordo, e o teu sorriso ainda me aquece. Ainda o coração tranquiliza quando chego a casa para o teu sorriso. Corro para casa para o teu sorriso. Mesmo que seja curto, duro, discreto, nos dias difíceis. Mas está lá, tão certo como o pulso que me mantém viva de nós.
Distraí-me do filme para olhar para ti. Com atenção e entusiasmo, segues a história do grande ecrã. Admiro a luz que te ilumina os tons doces que me comovem todos os dias. As linhas acertadas do teu rosto, com o nariz que invejo e a bochecha que teimo em beijar. E sempre aqueles olhos transbordantes de amor.
Sei bem quem és. Os anos passam e a verdade transparece. Sei quem és e - surpreendo-me - amo-te todos os dias um dia mais. Somo o amor diário e multiplico o sonho de ser contigo para sempre. Sei bem o quão inevitáveis somos.
Observo-te e estremeço um pouco mais. Amanhã e depois, para sempre, talvez.

domingo, novembro 10, 2013

Preciso do Torel

Ao final da manhã, fomos passear-nos ao jardim. Estava um sol quente e um ar leve. A cadela estava feliz, correndo livremente pela longa extensão de relva com outros cães que encontrou por lá. As folhas já caem e o outono já se torna mais visível no castanho e amarelo que se vai acumulando junto das árvores. De algumas, altas, conseguem-se ver os voos vagarosos das folhas. Uma chuva lenta que tranquiliza.
A cadela ia já longe e eu, calmamente, seguia atrás dela. À minha esquerda, sobressaía uma árvore e o seu tapete verde coberto de folhas amarelas. Parei para admirar. Lembrei-me do dia em que, na minha adolescência, resolvemos combinar uma ida ao jardim para juntarmos um monte de folhas secas e saltarmos lá para cima. Os dias eram duros e aquela brincadeira soube-nos a libertação. Preciso destas brincadeiras. Preciso de libertações.

E preciso de regressar ao Torel.

quinta-feira, novembro 07, 2013

Cuida-te

No início, não sabia o que fazer. Fugia da possibilidade porque o corpo não queria pôr-se à prova. Até que a amizade falou mais alto e alguém quis tocar. Abraçou-me enquanto sorria, feliz por o felicitar em mais um aniversário. Fui apanhada de surpresa e o corpo não soube reagir. Ninguém viu os meus braços estendidos no ar, atrás do meu amigo, imóveis, hirtos, raciocinando muito lentamente que talvez fosse boa ideia tentar aproximá-los das costas de quem me abraçava. Dei então uso à articulação e, vagarosamente, os braços tornaram-se cada vez mais paralelos às costas dele. O medo de não saber tocar parou-me quando, julgando já ter movido o suficiente, não senti corpo nenhum, não me senti mais próxima de nenhum corpo, de continuar ausente daquele abraço que o meu grande amigo insistia em prolongar. Desisti de o abraçar e estiquei de novo os braços, perpendiculares ao corpo amigo, apontando para longe. Que terminasse depressa aquele mimo sem resposta, aquela vergonha de não saber estar.
Depois enamorei-me. Chegou quem não tinha medo de me abraçar. Sorria-me, olhava-me com amor transbordante e jogava-se no meu corpo. Ensinou-me a aceitá-lo. A senti-lo. A deixar-me tocar, inteira, corpo com corpo, num encaixe perfeito. Repetidamente até compreender que amava. Que pertencia. E, depois, ensinou-me a não ter medo de tocar. A juntar a mim o corpo do outro que estimo, a envolvê-lo em braços juntos, mãos abertas,gestos doces. Aprendi que o corpo fala. Aprendi que o outro estima o toque, que o compreende, que nele se conforta. Tal como eu própria aprendera a sentir, quando o embaraço se ultrapassa.
Desde então é tão mais fácil. Reconheço quando o meu corpo é impelido a tocar um outro para tornar a amizade e o carinho mais palpável. Demoro a transformar o desejo em ato, mas, quando me permito aproximar-me, sei bem onde colocar o corpo, os braços, o mimo. Sei já o que dizer no gesto. Sei já que não há outra forma de o dizer.
Porém, falta-me ainda definir o tempo certo, a dose adequada. Há uma comoção transbordante que tento conter, com o receio que o outro se surpreenda com a entrega. Deposito a minha fé na reciprocidade, mas receio, no fundo, a sua ausência. Talvez por isso adie o gesto até a comoção transbordar e o limite ao tempo indispensável para que o recado seja entregue. 
Hoje, um abraço trouxe-me mais que um recado de amizade. Demorado, quis confortar, quis dar-me tempo e um refúgio. Mais que um postal, foi prenda de aniversário. E compreendi que me falta ainda esta derradeira aprendizagem. 
Um abraço é corpo e é tempo. É preciso demorá-lo.

quarta-feira, novembro 06, 2013

Dia bom
Dia mau
Dia bom
Dia mau

Estou tão exausta.
E, apesar disso,
não deixo de me preocupar
Com os outros.

Quando chega a altura
De me pensar?

A sós

domingo, novembro 03, 2013

Degraus

Vejo-te os olhos curiosos debruçados sobre a mesa
E a língua bem presa ao canto da boca
Pela dedicação ao problema apresentado:
cubos, degraus, escadas.


A mão sobrevoa o objeto de estudo
E a vista foge-te para quem te desafia
à procura do reflexo da confiança
Que já depositas em ti


Numa investida a pique, arriscas.
Peça sobre peça,
como na memória de ainda agora,
para que cubos se tornem degraus, escadas.


Abrandas no momento final
Para não comprometeres a tua obra
Terminas, recolhes-te ao teu lugar
E, por fim, levantas o olhar. Venha o veredicto.


Bastou um sorriso orgulhoso.
Sem palavras, desnecessárias,
Explodes em celebração entusiastica
Braços no ar, sorriso aberto, amor bom.

2012

sábado, novembro 02, 2013

Há muito que não me ria assim. Saiu toda a amargura, ou perto disso. O tormento destes dias tornou-se a chacota da noite, o que nos uniu num riso muito contagioso e incontrolável. Transformámos a dor em entusiasmo pelo futuro e ousámos sonhar.
Daqui a 20 anos...

E, no fim, um abraço e as boas-vindas. Pertenço certamente aqui. Sinto-me muito bem vinda. Sinto que, finalmente, cheguei a casa.

Hoje já é um dia bom. Estou mais leve.