quarta-feira, dezembro 23, 2015

BCN #75

Último dia antes do regresso a casa para as festividades. Os pacientes já o sabem e um, em particular, relembra-o com maior significado. Com a hipertímia em ebulição no seu corpo, procura-me, pergunta-me como me pode encontrar em Portugal. Pede-me nomes de bares, "basta chegar lá e perguntar por ti?". Promete que, quando sair, me irá visitar no meu país. Pede mais um abraço.
A especialista também não esquece que será o meu último dia na sua equipa. "Te encharé de menos", diz-me, na expressão espanhola que mais se aproxima às saudades portuguesas. Anima-me o carinho, apesar de saber que a falta que sentirá poderá ter mais que ver com o trabalho de que a vou aliviando nestes dias. Mas é Natal, há que pensar no carinho.

terça-feira, dezembro 22, 2015

BCN #74

Desde que aqui cheguei que está internado, já lá vai mais de um mês. Vemo-nos todos os dias, conversamos todos os dias. Comigo já chorou, já riu, já se zangou, já pediu perdão. Hoje está particularmente agitado. Apesar de já ter sido observado por outro médico e já ser o final da jornada, entendo que não deveria prescindir da conversa diária. Chama-me, inquieto, entusiasmado. Vamos para junto da janela, propõe. Não faz parte do protocolo da observação clínica, mas pouco importa neste momento. Aceito. Prepara ambas as cadeiras, viradas para a imensa janela que abre a vista para a imensidão da cidade de Barcelona. Está um dia bonito, solarengo, céu limpo, o mar azul ao fundo. Sentámo-nos. Relembra o tempo todo que passou desde que está internado, já lá vão muitos meses. E está um dia tão bonito lá fora e eu aqui, diz. Não minimizo. Bem sabemos que tanto tempo aqui também faz estragos ao humor de qualquer pessoa. Mas, enfim, há que entender o porquê de tanto tempo, ninguém tem especial prazer em mantê-lo internado, mas a gravidade da situação assim o exige. E pelo menos daqui temos uma vista impossível de apreciar ali de baixo, junto aos carros, escondidos entre os edifícios altos que nos limitam a vista. Por hoje, então, apreciaremos a vista e aguardaremos por dias melhores. 

segunda-feira, dezembro 21, 2015

BCN #73

Preparo-me para as festividades e procuro as últimas prendas para os que mais estimo. E nada como ir para o maior e mais conhecido centro comercial da cidade. Procuro os paladares catalães desta época natalícia para partilhar daqui a uns dias em terras sadinas. Escolho alguns torrões e provo-os, delicio-me com o seu sabor a casa. Procuro fuet, um enchido para qualquer altura do ano, e catanies, bombons de amêndoa e chocolate que me recomendaram entusiasticamente. 
Não abdico de embrulhar cada prenda. É um momento especial para mim, mesmo sabendo que o papel será desfeito e ignorado rapidamente. Mas faz parte do presente, aquele momento em que me concentro apenas em prepará-la, dobrando e colando cuidadosamente cada canto, enquanto me recordo da pessoa a quem quero mostrar o meu carinho. Preparo os laços e já está. Estou preparada para o Natal.

domingo, dezembro 20, 2015

BCN #72

Se houvesse dúvidas, hoje tirei as teimas: estamos na época natalícia. Ouvir um coro de crianças cantar músicas de Natal numa igreja torna inevitável sentirmo-nos dentro do espírito. 
Aceitei o convite da A., que o colocou um pouco apreensiva, com pouca fé no meu genuíno interesse. Mas claro que sim, que iria ouvi-la cantar. E assim o fiz. Pela manhã de domingo, saí em direção ao bairro gótico, em busca de mais uma igreja gótica numa praça escondida entre ruas estreitas. Se tivesse dúvidas, o facto de ver uma fila de pais e avós esclareceria-me que era ali mesmo. E lá dentro apreciei o amor familiar, os acenos, as filmagens, os sorrisos. Abrem as hostes os mais pequeninos, relativamente afinados, mas certamente empenhados. A idade dos cantores vai crescendo, juntam-se diversos grupos etários e terminam todos juntos, crianças pequenas, intermédias, adolescentes e adultos. Cantam uma música alegre e festiva para a despedida. E para terminar em grande apoteose, a maestra ensina ao público como cantar o refrão e todos juntos naquela igreja celebramos o facto de estarmos juntos nesta época natalícia. Glo-ri-aaaa, lalala...

quinta-feira, dezembro 03, 2015

BCN #55

Estar fora é também ser lembrada por quem ficou dentro. É chegar a casa e ter uma encomenda sobre a mesa endereçada a mim. Um nome amigo repousa no canto superior esquerdo do envelope almofadado. Não te vejo há muito tempo, B., mas estamos presentes na memória e coração um do outro. Abro e encontro um livro. Sorrio. Há muitos anos que me falara deste livro pela primeira vez e desde então que fiquei com vontade de o explorar. E agora aqui está ele, com umas palavras escritas que celebram o meu aniversário e a nossa amizade. Leio o livro com carinho e reconheço o bem que foi escolhido. Um autor português que escreve com poesia a ciência que pratica. Um pouco de nós os dois, será B.? Que bom.