segunda-feira, novembro 20, 2006

[...] Não, não chorei nesse dia nem nos que se seguiram. Para ser franca, não me recordo bem dos dias seguintes. Lembro-me do silêncio, lembro-me do meu pai deixar de ter o olhar vazio do dia anterior e de o encher de desprezo por mim. Não me lembro de ouvir a sua voz dirigida a mim. Lembro-me da senhora que cuidava da nossa casa se dirigir a mim, dizia-me que o almoço estava servido, que o jantar estava servido, que o meu pai já tinha saído, que o meu pai estava no escritório e que não queria ser incomodado, que tivesse calma com o meu pai, que tivesse cuidado comigo. Lembro-me que era a única que me tocava, abraçava-me quando o meu pai saía, como se tivesse medo que eu o quisesse seguir. Não me lembro de mais ninguém. Não me lembro da cerimónia, não me lembro da família, não me lembro dos telefonemas nem dos cartões. Lembro-me só do silêncio e dos dias azuis. [...]

[um pequeno excerto de um longo projecto que tenho em mãos desde Agosto. O resto só será divulgado quando estiver tudo terminado. Ainda vai demorar.]