segunda-feira, novembro 30, 2015

BCN #52

A aventura é também feita de distância. O tempo não pára à nossa espera, os lugares caminham à mesma velocidade, o tempo transforma na mesma medida. E assim as relações se constroem, se maturam, evolvem. Mantenho as ligações pelos diversos meios que o desenvolvimento tecnológico me permite. Mas são pequenas linhas invisíveis que não podem transmitir tudo. Sinto-me perto, sinto-os perto, mas falta um toque. Um abraço. Um olhar. 

quinta-feira, novembro 26, 2015

BCN #51

Fui ao primeiro jantar de serviço desde que cá cheguei. Vem muita gente, internos, especialistas, enfermeiros, educadoras sociais, administrativas. Vem o chefe. Todos sorriem em conjunto. Parece-me que, de facto, as vozes espanholas são mais sonoras que as portuguesas (ou pelo menos as que eu conheço). Bebem-se uns copos, provam-se tapas. Explicam-me o que é cada prato e retiro deles a novidade do país onde estou e a proximidade do sabor lusitano. Como aquele choco frito, suficientemente tradicional para ser catalão, mas surpreendentemente evocativo da especialidade da minha cidade natal. Falam-me dos diferentes embutidos, como o fouet, e de como são feitos com os intestinos do porco. O empregado dispara os vários pratos disponíveis e escolho o único cujo nome consegui apanhar. Fala-se de dança, de cerveja, observa-se o flirt da ponta da mesa e avisa-se o T. para levantar os olhos do decote da P. Rimo-nos. Comemos e disfrutamos. Que bom fazer parte de uma equipa.

quarta-feira, novembro 25, 2015

BCN #50

Vivo numa casa de gente alegre. Sei que a A. está a chegar porque oiço a sua voz a cantarolar pelas escadas acima. Entra e prossegue, animada. Segue para a sala, pega na guitarra e junta música à festa. É já de noite, mas pouco importa. A felicidade é para ser vivida de peito cheio a qualquer hora.
E hoje sinto-me um pouco mais satisfeita. Empenhei-me na árdua tarefa de encontrar os sapatos perfeitos para uma ocasião formal que se aproxima. Sim, é árdua para quem não tolera muito bem este tipo de compras. Mas tinha que ser. Fui para a avenida que já conhecia por ter muitas sapatarias e fui pululando entre elas. Procurava o toque barcelonês dos sapatos que tenho visto por aqui. Elegante, algo andrógeno, uma reinvenção dos elementos masculinos subitamente apropriados (e bem!) pelo mundo feminino. Depois alguns experimentos encontrei. Estou satisfeita. Acho que me portei à altura. E, sim, é um ato que necessita ser festejado.

terça-feira, novembro 24, 2015

BCN #49

A empatia é uma característica empática para qualquer profissional de saúde. Mais ainda, creio eu, para quem trabalha em saúde mental. é o que nos permite conhecer melhor o outro, asim como sentir mais de perto o seu sofrimento. O que, por vezes, é duro para nós próprios. Porque somos humanos, feitos de emoções e relações. E há vezes em que o sofrimento do outro ressoa mais em nós.
Como hoje, quando uma mulher implora que lhe parem toda a medicação porque já não suporta mais a cefaleia crónica que tem há anos. Depois de uma nova tentativa de mudança de medicação, piorou e nem era para vir hoje, conta, que nem se consegue levantar da cama. O marido obrigou-a a vir, ele que também se encontra lacrimejante. A incapacidade provocada pela dor crónica espelha-se no seu sofrimento e no do marido. E eu quero ajudá-la. Quero que não sinta mais dor, que viva a vida que exige e que merece. Faço o meu melhor. Desejo-lhe as melhoras. Do fundo do coração.

segunda-feira, novembro 23, 2015

BCN #48

Assim não pode ser, disse-me. Sinto a pressão e a pressa. O doente não foi avisado, a família não foi avisada, o relatório não está pronto. Na sexta disse-me que se faria segunda de manhã e afinal hoje já não há tempo. A ambulância já está à espera. O que está feito está pobre. Falta isto e isto. Corro para que seja tudo mais rápido (imagino eu). Sei que é o teu primeiro relatório, mas não pode voltar a acontecer. Agora já sabes como é. Quero que invistas mais. Que te impliques mais. O próximo doente terá de ser como se fosse teu filho. 
Entendido. Não voltará a acontecer. Aqui vou trabalhar a sério. Finalmente.

domingo, novembro 22, 2015

BCN #47

Dia de despedidas. Não sem antes um brinde logo pela manhã com os respetivos cappucino, café com leite e chocolate quente.
À tarde haveria outra despedida. Sem pressas, aproveitamos o dia como se tivessemos o tempo todo do mundo. Como se tivessemos em nossa casa, para sempre. No sofá, vendo televisão. Cozinhando o almoço (as salsichas alemãs para partilharmos a experiência). Revendo as fotografias destes dias no computador. 
Assim, talvez, a despedida não seja tão difícil. Assim, talvez, só nos recordemos que nos veremos apenas daqui a umas boas semanas mesmo antes de sair de casa. Depois da mala feita e chave na porta. Talvez a vivência da tranquilidade caseira me deixe este sentimento bom prolongar-se um pouco mais.
Até breve.

sábado, novembro 21, 2015

BCN #46

Na casa Batlló respira-se Gaudi. Novamente, sem linhas retas, ondulações ergonómicas, incorporações naturais. O azul dos mosaicos ao longo do pátio interior vão clareando a sua cor para que, no final, com a luz do sol, tudo seja uniforme. Um cogumelo gigante onde se senta o casal apaixonado e o pau de cabeleira. A espiral do teto no salão. As cores, a escadaria, as madeiras e os vidros. E, há que notá-lo, um audio-guia que nos ajuda a entrar no espírito gaudiano.
Último jantar antes da partida. Mais tapas e pinchos, numa casa em que, da mesa onde estamos, vemos flamenco na televisão. Impressiona-me a intensidade com que se desenrolam as mãos e se fazem soar os pés. Há uma mística que, só depois de entender a música, se poderá dançá-la. 
Ainda tenho muito que apreender por aqui.

sexta-feira, novembro 20, 2015

BCN #45

Saio a correr do trabalho para reencontrá-las de novo. Regresso hoje ao miradouro onde estive  a semana passada, quero partilhar com elas a paisagem que me encantou. Tenho, quiçá, alguma dificuldade em guardar os pequenos prazeres só para mim, se me entusiasmam necessito partilhá-los com quem amo. Para que não seja apenas meu, para que não restrinja o outro de se entusiasmar como eu. E, por isso, subo com alegria a estrada íngreme por saber que valerá a pena. Apesar do olhar inocentemente ameaçador de quem sobe a custo. No fim, os sorrisos confirmam que valeu a pena.

quinta-feira, novembro 19, 2015

BCN #44

Fui a única médica do serviço. Assim, tudo segue à minha velocidade, ao meu gosto. Vou conhecer o novo paciente que, deitado qual deus grego na sua cama, me diz que sou boa pessoa porque o vê na cor dos meus olhos. 
Ao final da tarde junto-me aos amores que me vieram visitar a Barcelona. Junto ao Aquário, comemos uns crepes e bebemos chocolate quente. Rimo-nos. Não se sente a distância nem o tempo que nos separou. Não se distingue nenhuma timidez pelo primeiro encontro recente entre elas. Como uma amizade de sempre, ainda antes de o ser. 
Cumpriu hoje a promessa de nos entregar as prendas que nos trouxera da Alemanha. As salsichas de Munique, os chocolates, as gomas. E uma prenda para o meu aniversário. Uma camisola verde, com escritos em alemão. Uma camisola com muito significado. Fora a nossa primeira troca realizada há alguns anos, em nome da amizade que se criara, uma camisola verde por uma t-shirt colorida. Quando nos reencontrámos, anos mais tarde, repetiu-se o gesto. É mais que uma camisola. É o reafirmar de uma amizade sólida e bonita. 
Que bom ter este amor tão perto.

quarta-feira, novembro 18, 2015

BCN #43

À mesa estamos cinco pessoas. Provam-se tapas, bebe-se sangria, relaxa-se do dia longo, que agora se finaliza da melhor maneira. Sorrimos, falamos uma língua em comum, mas que não é a materna de nenhuma de nós. Há três nacionalidades diferentes à mesa, pelo que se escolhe o inglês internacional para comunicar. O sorriso, esse, é transversal. Ainda há pouco estavamos tão distantes. Uma velha amiga na Alemanha, a sua irmã na Roménia, um grande amor em Portugal e uma nova amiga na Catalunha. Não deixo de me maravilhar com as possibilidades do mundo em que vivo. Que bom ter tanto carinho aqui tão perto. Que bom poder matar tantas saudades de uma só vez. Um brinde!

terça-feira, novembro 17, 2015

BCN #42

Em casa voltamos a falar de literatura. Desta vez, é me proposto um novo género literário. A banda desenhada. A I. tem muitos exemplares que me põe no colo. Experimenta, diz-me, é outra forma de imaginário. Sugere-me inicialmente um livro sobre as sufragistas, tendo em conta a nossa conversa prévia sobre mulheres de luta (orgulho-me de lhe contar que a Dra. Beatriz Ângelo foi a primeira mulher do mundo a votar). Vai buscar outro livro, e outro, cada um com uma particularidade no seu desenho. Um deles, diz-me, é duro de ler. Lembro-me então do único livro de banda desenhada que tive curiosidade em ler. Não lhe sei o nome, sei apenas o tema. Enquanto medito sobre o mesmo, continua a sugerir-me exemplares da sua biblioteca. E Fua Jome, conheces? Não faço ideia... como se escreve? Preparo-me para pesquisar na internet o nome que me soletra quando mo entrega em mãos. Fun Home! Era precisamente este o livro! Será então, por aqui, que iniciarei o meu percurso em literatura de banda desenhada. 
Para além disso, não deixo de me divertir secretamente com o sotaque com que a generalidade dos espanhóis pronunciam as palavras em inglês... É toda uma nova língua.

segunda-feira, novembro 16, 2015

BCN #41

Chego a casa e quero descansar um pouco. Sento-me no sofá e ligo a televisão.
Não é muito diferente da nossa. A esta hora dominam os concursos televisivos, os talk shows e alguns noticiários. O zapping detém-se, então, num programa que acabara de começar. Duas equipas, perguntas de cultura geral de escolha múltipla. Cortam-se os fios da bomba correspondentes à respostas que se consideram erradas. Se se enganarem, a bomba explode os concorrentes ficam bem salpicados de tinta de várias cores.
Dei por mim entusiasmada com as perguntas. Até pulei quando perguntaram que país chegara primeiro à Malásia (Portugal!). Aprendi umas novas curiosidades e entendi algumas particularidades da televisão espanhola. Ao contrário da portuguesa, em que os beijinhos vão para quem nos vê em Angola ou em França, aqui vão para a Bolívia. Aqui não se fala de Toni Carreira, aqui é Júlio Iglesias que serve de mote para uma conversa animada sobre gostos musicais.

domingo, novembro 15, 2015

BCN #40

Depois do passeio, o descanso. Porém, viver numa cidade estrangeira, não sendo uma residência permanente, dá-me a sensação de ser uma turista privilegiada, com tempo para ver tudo. E, portanto, um domingo em reclusão gera inquietação no meu corpo, que me diz que o meu tempo não está a ser bem aproveitado.
Saio, portanto. Depois de procurar algum programa nas imensas sugestões que encontro online, sigo para um mercado dito alternativo aqui por perto, no bairro da Gràcia. Lá o encontrei, depois de um desvio involuntário. O ambiente era, de facto, alternativo. Algures entre o nosso Príncipe Real e a Bica. Porém, também demasiado alternativo para a minha bolsa. Depois de visitar todas as banquinhas, apreceei a originalidade e compreendi que não seria ainda hoje que iniciaria as minhas compras de Natal. Fiz o melhor que pude para terminar o dia. Regressei a casa e fiz uma bela sopa. Porque, confirma-se, é definitivamente uma boa aposta - nutricional e anímica.
Já entendi. Para me sentir mais em casa, faço uma sopa. Depois do desastre da semana passada, decidi voltar a tentar. Fui comprar os vegetais que conheço bem para tentar recuperar a minha pequena credibilidade como cozinheira. Descasquei, cortei, fervi, temperei, triturei. Depois da base feita, adicionei o feijão verde cortado à boa maneira portuguesa. Deixei ferver um pouco mais e dei-me por satisfeita.
Convidei, então, a minha colega de casa a provar comigo. Prometi que estaria muito melhor que a anterior (que, como único elogio, foi apelidada de "saudável"). Observou o resultado final e perguntou porque não triturara tudo. É assim mesmo, são as nossas sopas. Provou e aprovou. Soube-lhe tão bem quanto a mim. Perguntei-lhe, confessa lá, depois da sopa anterior não acreditavas que pudesse fazer outra tão boa... De facto, não. Pois, eu também não... Mas folgo em saber que sou capaz.
Aos poucos vou entendendo o prazer de cozinhar algo saboroso.

sábado, novembro 14, 2015

BCN #39

Junta-se um grupo lusitano e seguimos para o topo da cidade, para o monte que sobressai cá de baixo da cidade por ter uma igreja que nos mira.
Faz um pouco mais de frio em Tibidabo. Porém, isso não impede que tanta criança se entusiasme com o parque de diversões que por lá existe. Depois de apreciar as duas igrejas, uma construída por cima de outra, decidimos aproveitar também o parque. 
Há que aproveitar as alturas e a vista imensa sobre a cidade de Barcelona. Para isso, nada como colocar uma roda gigante junto ao penhasco. E é por aí que começamos, mesmo que algumas precisem de se agarrar com mais força à coluna central do cesto onde subimos na roda. O dia está limpo e a vista é fenomenal.
Depois de absorver estas imagens, seguimos para as diversões adrenérgicas. Recordo-me do parque de diversões onde crescia todos os verões, recordo os anos que passaram a desejar chegar ao metro e quarenta para poder entrar em algumas diversões, recordo o entusiasmo com algumas delas. Porém, o corpo não as recordava tão bem. O barco dos piratas e a montanha russa fazem-no sentir uns sustos a que não está habituado. Não entendo, portanto, a seriedade no rosto da criança sentada à minha frente que demonstra um tédio imenso por uma atividade que me deixa o estômago a pairar no abdómen.
Porém, reconheço. É bom sentir coisas diferentes de vez em quando.

sexta-feira, novembro 13, 2015

BCN #38

Saí depressa para que ainda apanhasse o sol por cima dos montes. Avisaram-me que a vista era imperdível e decidira que seria hoje que o iria comprovar. O caminho não é óbvio, socorri-me das aplicações virtuais que nos dão as direções que necessitamos. Uma coisa era certa: sempre para cima.
Por entre as bairros e moradores insuspeitos, sigo no autocarro até ao ponto mais alto, agora o resto faz-se a pé. Por aquela estrada entre as árvores, dizem-me. Sigo, então, para, pouco depois, quando as pernas preguiçosas já acusam algum cansaço e paro para olhar em redor, me surpreender imediatamente com a vista. Vejo tudo. Ou quase. Vejo a imponência da Sagrada Família, que de perto não se absorve inteira. Vejo as duas torres altas que avisam que o mar está perto. Vejo a Catedral que sobressai de um emaranhado de ruas. Estas que contrastam com a Eixample rectilínea, avenidas irrepreensivelmente direitas de aqui até ao mar. E ao fundo, o mar. O meu verdadeiro norte.
Entusiasmo-me com o que será quando chegar efetivamente aos bunkers. Vejo-os e aos seus habitantes jovens, de cerveja e selfie stick na mão. Apresso-me, contenho-me para não para sempre que um pouco mais de paisagem me é disponibilizada, e procuro o ponto mais alto e mais panoramico.
Parei ali. Sobre um pequeno muro onde vejo tudo em redor. à minha frente, o mar. À direita, Montjüic, com o seu castelo. O Museu d'Art da Catalunya e ainda o Palau Real. Continuo e vejo já, para trás, Tibidabo lá no topo. Vejo o meu hospital delimitando o fim do império do betão da cidade. Vejo a largura das ramblas de Carmel, estas agora mais perto que as dos turistas. Quase a terminar a volta, junto ao mar vejo ainda, à esquerda, as três enormes e misteriosas chaminés.
O céu fica mais quente, as cores mudam, e vou atrás do sol. Ali, juntam-se mais uns quantos jovens tirando as ultimas fotografias ao pôr-do-sol ou celebrando-o com mais um gole.
Deve ser, certamente, a visão mais bonita sobre esta cidade.

quinta-feira, novembro 12, 2015

BCN #37

Avaliamos a personalidade de um senhor que se encontra internado. Salienta-se a capacidade de se reduzir às suas doenças físicas. Como pode sair de casa se tem hérnias? Como pode fazer exercício se tem um alto no joelho? Como pode trabalhar se no emprego anterior carregou tantos pesos que o deixaram em mau estado? 
A entrevista é difícil pela renitência do próprio em procurar uma alternativa ao seu mal-estar. Comentamos entre nós à saída o posto patológico onde este homem se instalou. Comentou o Dr. E., como é curioso a transformação da doença num estatuto na sociedade atual. Dá que pensar.

quarta-feira, novembro 11, 2015

BCN #36

Quem é o interno que me quer fazer um favor?, perguntou a A., com o seu sorriso carinhoso de sempre. Precisava de um interno e não queria dizer para o que seria. O JF mostrou-se apreensivo e a A. não se demorou a dizer que seria eu, que me mostrei mais disponível e curiosa. Pois bem, assim seria.
E que sorte a minha. Calhou-me acompanhar a enfermeira A. e os pacientes do programa de redução de danos ao seu treino semanal de futebol. Uma saída de campo, com passeio de autocarro pelo topo da cidade, até ao campo ao ar livre, com vista para o mar, para todas as torres simbólicas da cidade e para o topo, Tibidabo. Sentada num banco, aprecio o jogo e aproveito o sol quente de São Martinho. Um privilégio, dizia-me a A., nem todos os internos têm a oportunidade de acompanhar esta atividade. Aqui onde os consumos se substituem por uma bola de futebol e os encontros são para partilhar desporto. Aqui onde, talvez, a noção de normalidade e potencialidade individual possam mudar um pouco. É verdade, sinto-me privilegiada. Que dia bonito para uma vida diferente.

terça-feira, novembro 10, 2015

BCN #35

Sou bem recebida aqui. Chego a casa e tenho sorrisos e perguntas sobre o dia que passei. Tenho quem se lembre do que prometeu e me vem mostrar os vídeos das suas aventuras musicais. Mostra-me as canções, conta-me as histórias, ri-se e sinto-me privilegiada por estarmos a partilhar tudo isto. A sonoridade que me montra lembra-me algumas canções portuguesas que me disponibilizo para lhe mostrar. E disponibilizo-me para encontrar outra música do meu país que a encante como a que já conhece. Gosto muito de fazer isto. De tentar conhecer uma pessoa ao ponto de conseguir sugerir-lhe uma música que lhe seja desconhecida e que a encante. É uma prenda magnífica. 
Não tive sorte. À medida que avançava nas opções, piorava a reação. Chegou a dizer-me, com um sorriso, "es horrible!". Que péssima performance da minha parte. Não desisto porém. Acabei de chegar a esta casa e a estas pessoas que me recebem com carinho. Tenho tempo para as descobrir e para chegar à sua canção. Lá chegarei.

segunda-feira, novembro 09, 2015

BCN #34

Desta vez a fila era mais curta. A notoriedade da oradora era também diferente, mas não deixou de encher a sala.Veio falar-nos de identidade. Afinal quem pertence ao "nós"? O que nos faz sentir que pertencemos a um nós? Poderemos pertencer a um grupo sem gostarmos assim tanto das outras pessoas que nos rodeiam nesse grupo? Poderemos ser diferentes dentro de um grupo?
Falou-se de política, de intervenção social, de como o objetivo não pode ser apenas legislativo, há muito para além disso. Falou-se de emigração, de refugiados, da inclusão, integração ou mera aceitação. Falou-se de identidade individual, que se constrói e reconstrói ao longo da vida.
Falou-nos com serenidade e com crítica, aceitando de bom grado comentários e perguntas. O público ouviu com atenção e opinou, quis saber mais, quis partilhar. 
Sinto estar numa cidade pensante. Que questiona e reflete. Que convida à reflexão conjunta. Estamos em tempos particulares de mudanças na sociedade e Barcelona está em cima do acontecimento. E, aqui, com Judith Butler, se comprova mais uma vez esta vivacidade criativa e reflexiva de quem habita a cidade.

quarta-feira, novembro 04, 2015

BCN #33

Sentamo-nos em círculo.Com a serenidade característica da abordagem psicodinâmica, pede-nos para nos apresentarmos. Somos todos curtos, breves e formais, pelo que, interpretando a nossa abordagem, nos pergunta se queremos continuar assim tão estruturados e seguir já para a análise do texto. Felizmente, o grupo não fora muito cumpridor e a maioria não lera o tal texto. Fala-se então, de forma livre, sobre o que é, para nós, um grupo e as suas dificuldades. Curioso, diz-nos, parece que me estão a descrever o grupo ideal que gostariam de ter, parece-me um bom ponto de partida. Aos pontos, percebemos que esta formação em terapia grupal é, por si só, um grupo, do qual já fazemos parte, no qual temos já o nosso papel, a nossa intervenção, a nossa interpretação. A presença ou a ausência, a participação ativa ou a observação passiva. Tudo isto faz parte da formação, que é um grupo.
A meu lado está o JF. Racional, objetivo, estudioso. Em silêncio. A certa altura a terapeuta pergunta-lhe se está confortável. Diz que sim, mas o corpo denuncia-o. Uma inquietação obriga-o a verificar repetidas vezes o tempo que falta para terminar. No fim saímos e diz-me, "não faço ideia do que estivemos a falar". Isto não é, definitivamente, a sua praia. Quanto a mim...

terça-feira, novembro 03, 2015

BCN #32

Tenho conhecido muita gente. Amigos de amigos. Hoje, mais uma vez, novas pessoas em casa. O jantar saiu bem à L., pelo que não resistiu a convidar dois amigos a virem prová-lo. Assim foi. Veio a sua amiga percursionista, que tocara na abertura do comício do outro dia, e um amigo enfermeiro emigrado na Alemanha. Fala-se novamente de política, comparam-se sistemas de saúde e características de caráter nacional. O petisco do jantar é partilhado, o vinho distribuído, e preparam-se para sair para a noite espanhola. Convidam-me. Agradeço muito, mas o meu dia amanhã será cansativo, tenho de me preparar para ele. Insistem, com um sorriso. Sinto-me realmente bem-vinda. E que bom que é conhecer gente nova, diferente, que nos enriquece. Que se dispõe a apresentar-nos a noite tardia espanhola. Outro dia, fica prometido.

BCN #49

A empatia é uma característica essencial para sermos bons profissionais de saúde. Em saúde mental, acredito, tem uma relevância ainda maior. O que, por um lado, nos leva a compreender mais profundamente os nossos pacientes, por outro, o seu sofrimento pode entrar por nós adentro e torna-se difícil não o sentir em uníssono. Somos humanos, somos feitos de emoções e relações. E há coisas que não nos passam ao lado. E emocionamo-nos.
Como quando uma senhora pede desesperadamente para parar toda a medicação porque não suporta mais a cefaleia crónica que tem há anos e que, depois de mais uma tentativa de mudança de medicação, piorou. Nem era para vir, disse-me, nem consegue sair da cama, veio porque o marido a convenceu. O marido tem os olhos igualmente lacrimejantes. Sente-se o sofrimento incapacitante desta mulher e de como isso se reflete no seu marido. E eu quero ajudar, quero que a dor passe, quero que consiga sair de casa e viver a vida que reclama. E a que tem direito. Faço o melhor que posso e desejo-lhe as melhoras. Do fundo do coração.

segunda-feira, novembro 02, 2015

BCN #31

Encontrava-me entre as duas, que conversavam entre elas. Acompanhava sem grande esforço a conversa até que deixei de o conseguir fazer. Castelhano, catalão. Mudam sem darem conta, com uma facilidade que me impressiona. Interrompo para o comentar. Riem-se. Realmente, não têm muita noção de quando mudam. Que depende da pessoa com quem falam, do contexto, até do tema. A E. conta-me que, apesar de não ser catalã, vive com o marido há muitos anos na Catalunya, de tal forma que, quando os filhos nasceram, falava com eles em catalão e com o marido em castelhano. Quando chegaram à adolescência as duas linguas já se misturavam, mas ainda hoje, quando fala ao telefone com os filhos, falam sempre em catalão. Não sabe bem porquê, mas assim é. A P. sorria, confirmou-o e comentou que sempre que a E. lhe fala da sua família ou de algum tema relacionado, muda automaticamente para catalão. Curioso como o coração escolhe a sua língua.

domingo, novembro 01, 2015

BCN #30

Fui visitar a história subterrânea de Barcelona. No Museu d'Història de Barcelona mergulhamos pelo passado desta cidade em camadas de rochas que nos contam o que aqui aconteceu. A uns determinados metros de profundidade, os romanos tingiam a sua roupa nos tanques claramente identificados, salgavam o peixe nos vasos que ali se mantêm e produziam vinho que seguia nos carreiros que passam por baixo dos nossos pés. Uns centímetros acima, distingue-se já uma igreja com as respetivas divisórias, inclusivamente o local para o batismo, onde se banhavam numa pia quadrada. Se olharmos agora para cima, vemos os tetos visigodos e surpreendemo-nos com quanto podemos aprender em alguns metros de profundidade.
É dia de Todos os Santos e quero cumprir a tradição catalã. Compro castanhas assadas e boniato, uma batata doce um pouco mais laranja que a portuguesa. Assim, aconchegada, termino o meu dia.