quinta-feira, maio 01, 2008

"Não me olhes com esses olhos", pediste-me de novo, desta vez pela voz de outra pessoa. Sorris com o mesmo jeito de sempre nestas alturas e deixas-me na dúvida. Não sei que olhos tenho e o que te perturba tanto neles. Sinto-os transparentes para ti, como os quis, a segredarem-te tudo o que não te sei dizer em palavras porque não as há suficientes. Não que seja muito, é apenas um momento, um instante, é este detalhe suave que demoraste a descortinar no meio de tudo o resto, do rio, do riso, das constelações, do chocolate quente e da frescura da noite alentejana. Fui mais prespicaz que tu na altura e observei-te, esperei pela reacção. Veio devagar, sem êxtase antes da confirmação, mas veio. Sorriste, sorri-te, bebeste, bebi-te. "Não me olhes com esses olhos", disseste enquanto gravava a tua expressão. Fugiste deles, como sempre fizeste nestas ocasiões, e deixaste-me sem saber que olhos pôr. Sou feliz contigo, os meus olhos são os teus olhos. Estão assim porque te estão a guardar para si, a recortar o infímo movimento da tua cara, transformada por aquele instante único. Ficas a saber que estou ali e que podes partilhar comigo esse artefacto que encontraste porque eu compreendo-o. Sei guardá-lo no devido lugar, no pedacinho de coração que tenho teu, que me deste ao longo do tempo. É só isso.
Talvez não o esperasses partilhar, talvez o sorriso espontâneo e sincero se sinta demasiado exposto. Não temas que sei guardá-lo para mim. Mais ninguém nos vê. Mas tenho respeito, é teu. Sorrio agora só para mim, olho para a mesa, olho para o céu, faço o que pedes e não te olho com os mesmos olhos. Pronto. Tu já sabes. Já leste. Apesar de tudo, não me parece que deixe de te olhar assim noutras ocasiões. Afinal de contas, até gosto quando me dizes "não me olhes com esses olhos." Já tinha saudades...


[para quem julga que é para si este texto, que saiba que não é a única]