terça-feira, março 29, 2005

Porquê dizer o quanto amo o teu abraço se não o podes perceber? Não, não é o amor que todos julgam que conhecem, não é nada disso. É conforto. É segurança. É um abraço doce de quem me estima e que me fascina tanto. Nunca encontrarás em ti metade do interesse que eu encontro, admiro-te tanto, mas tu nunca conseguirás perceber porquê. Não passas de mais um rosto, mais uma vida simples e igual a tantas outras, dizes tu. Mas nunca conheci ninguém como tu. Tens um brilho nos teus olhos que me faz acreditar em ti, é através do teu olhar que sei que brilhas por dentro, que tens tanto para me ensinar. Vou descobrindo aos poucos esses reflexos de alma e fico tão contente quando me deixas vê-los. E quando, por vezes, fechas os olhos e apoias-te no meu ombro, no meu colo, em mim. Aí sei que confias em mim, que também eu te sou confortável e que não te incomoda o facto de te descobrir porque no fundo, talvez até gostes de te sentir explorado (no melhor sentido, claro). Obrigada por essa confiança.

segunda-feira, março 28, 2005

Tenho de te denunciar. Desculpa mas preciso de tirar isto de mim. Porque eu descobri-te, evitaste-o, mas também tu não me conheces e não sabias o quanto perspicaz posso ser.
Tu simplesmente não sentes. Estás ausente. Suponho que vivas apenas à espera, mas nem tu sabes de quê. Estás ali apenas porque esperas pelo momento em que te vais embora para outro sitio. Para casa, talvez. Talvez seja ali que tu és preciso, que a tua atenção e vida são necessárias. Penso que esperam muito de ti em casa. E vens para o pé de mim descansar. Mas não sentes nada. Tens de estar preparado para voltar para casa, é aí que podes sentir. Mas, mesmo assim, não sei. Talvez nem sintas em casa. Talvez estejas só presente como te pedem. Andas cansado disso, não é verdade? Deixa, talvez no próximo ano já não seja assim.
E então, como posso eu explicar-te perante o que aconteceu? Foi esta a única forma que encontrei. E eu podia ter desconfiado antes. Sozinho, longe, quantas vezes te vi assim pelo canto do olho. Talvez tenha sido isso que mais me cativou, o olhar distante. Mas depois, se alguém se aproximava sorrias logo, sempre da mesma forma alegre e reagias como se fosse o dia mais alegre da tua vida. E, novamente, quando esse alguém se afastava, caías para longe, como te encontravas antes. Vi isso, reparei, até mesmo comigo eras assim.
É por isto que digo que não sentes nada por nós. Simplesmente reages. Se alguém te sorri, tu sorris de volta. Devolves aquilo que esperam de ti. Como geralmente os rapazes apenas te pedem boa-disposição, é o que lhes dás. Mas não a sentes porque estás apenas à espera de voltar para casa (até porque várias vezes vais a casa num pulo, enquanto ninguém te vê). E como não queres que ninguém te pergunte porque não sorris, não saberias explicar, tu sorris e ninguém te incomoda. Será que reparam em ti? Será que vêm algo atrás do sorriso?
Eu falei contigo uma vez sobre isso, lembras-te?, uma única vez e correu-me tão mal. Nem me respondeste, não disseste nada. Só baixaste o olhar e, sim, estavas com o teu sorriso do costume. Mas havia algo mais e tu sabias que tinhas sido descoberto. Disseste-me algo do tipo "tens razão, não está tudo bem, mas não há nada que possamos fazer". E eu não soube responder a esse gesto. Atrapalhei-me, ao contrário de ti, não sou perita em fazer e dizer o que esperam que faça. Mas fiz com que soubesses, ali, que eu estava contigo e que te tinha visto. Agora, pergunto-me, será que tomaste atenção, será que foste de alguma forma tocado por este gesto? Não, não foste, provavelmente, mal chegaste a tua casa, esqueceste imediatamente o que se tinha passado.
Agora que penso... Sempre tive medo que chegasses a casa e te esquecesses de tudo. Talvez sempre tivesse dentro de mim uma suspeita do que agora tento afirmar. Sempre pensei que em casa não pensasses em nada do que se tivesse passado durante a manhã. Também não sei no que pensarias, isso ainda não descobri, tens de ser tu a dizer-me. E, a única vez que te esqueceste, foi provavelmente a mais importante. Mas chegaste com aquele ar tão miserável, tão envergonhado, que não pude culpar-te. Já passou, o meu coração estava prestes a rebentar, mas tu chegaste, enfim, e já passou.
E como consegues olhar tu daquela forma tão intensa? Olhas para todos como se estivesses fascinado com o que te dizem, como se te fosse um grande prazer estar ali, diante daquela pessoa, conhecendo-a. Cheio de um sentimento que não tens. Mas como é que poderia adivinhar se mo mostravas com tanta força? E não era só para mim, eu perdia-me no teu olhar, era demasiado intenso para mim, mas via-o pousado em todas as outras pessoas. Não sabia distingui-lo. E, novamente, não ouvi esta pista, não escutei aquilo que me dizia, que não era para ti mais nada.E há algo que ainda não se consegue justificar com tudo isto: aqueles gestos que tiveste comigo, aqueles que guardei só para mim. Não foram reacções a algo que eu te tenha feito ou dito porque eu não queria ter chegado onde cheguei, não sabes disso, talvez neste momento julgues que desde o início te quis como naquele momento te fiz parecer. É mentira. Não te queria. Eras apenas uma cara bonita que me entretinha a vista e um rapaz interessante para descobrir. Daí nunca ter querido aproximar-me demais. Mas houve certas coisas que me empurraram. E, algumas delas, foram as tuas atitudes. Não as pedia, mas tu, sempre com o sorriso pendurado, brincavas comigo e eu fiquei sem saber o que pensar. E, ingénua, ouvi o que me diziam. Era praticamente o mesmo que eu já me começara a dizer, mas dito por fora, por outros, parece ser mais credível. O que mais podia eu pensar? Depois de todos os aqueles pedaços de momentos e de todas as bocas (que incomodavam a minha paz e decisão interior), não podia ter dúvidas.
E chegou o dia a que me tinha comprometido. Olhava para ti, umas horas antes, e sabia, não esperava, sabia que seria naquele dia. E, ao longo das horas, fui-te dando a entender. Que parva, detesto ser tão óbvia. Podias ter-te afastado, ter recusado as minhas aproximações. Mas não, nunca o fizeste. Por isso, ainda mais confiante fiquei. E no fim... Tu sabes o que aconteceu não preciso de voltar a dizer. E senti-me tão mal. Não foi culpa tua. Talvez se tivesse evitado, se me tivesses dito mais cedo. Ninguém nos compreende. Todos esperavam que acontecesse. E, provavelmente, muitos deles ainda pensam que aconteceu mesmo. E sorriem, "tão bonitos juntos". Foi isso que me magoou mais no momento. Odiei-me com muita força. Nunca quis passar por aquilo, nunca quis dar motivos a ninguém para dizerem uma coisa daquelas. Tinha acordado comigo isso. Mas não é sobre mim que quero falar, é a ti que quero denunciar.
Muito bem, reagias como te pedia. Não me impedias de me aproximar, fazias-me acreditar que estava tudo bem. Fiz-te, uns momentos antes, uma pergunta que podias ter aproveitado para me mostrares de forma subtil que não era aquilo que querias. Não o fizeste, fizeste-te de desentendido. E depois sorrias enquanto aqueles outros sorrisos embevecidos e amorosos que nos pediam algo que não poderíamos dar me arruinavam a noite. Como explicar-te sem ser pelo facto de não sentires nada por ninguém?!
Mas sabes, algo me leva a crer que tu até sentes. No fundo, és humano e os humanos têm de sentir. Só que, ao contrário de nós, aprendeste a ignorar os teus sentimentos. Não sei como o fazes, mas fá-lo muito bem. Grande auto-controlo. Mas tu já nem sabes que o fazes. Quero acreditar que tu até sentiste alguma coisa por mim (desculpa mas não acredito que aquele olhar fosse apenas fingido, ninguém consegue fingir assim...). Talvez houve algo mais, mas tu, sem saberes, ignoraste completamente isso, não ligaste nenhuma e não deixaste que isso crescesse. Respondeste-me na altura automaticamente, como tinhas previsto responder sempre que alguém te perguntasse isso. Não digo que, se te dissesse isto tudo (sim, porque não tenciono mostrar-te este texto, seria um vexame para mim), tu começasses a tomar atenção a isso que ignoras sem saber. Não, tu não o farias porque faz parte de ti, tu és assim e não vais querer mudar. E, quem sabe, nem sequer tens um décimo do interesse que eu te dei com esta história toda. Provavelmente achar-me-ias histérica e desesperada por arranjar uma maneira de te convencer a gostar de mim. Nada disso, meu caro. Tudo isto é apenas uma forma de me expressar, de dizer as conclusões a que cheguei que podem ser muito falsas. Só precisava de uma justificação. E eu não me importo de inventar uma como esta. No mínimo, fica interessante. E eu, espero, fico mais leve.

Quem diria, hoje estou mais perto de João que de Sofia...

terça-feira, março 08, 2005

"Depois de dois copos de vinho, despedi-me do candeeiro invejando a sua sorte, estaria para sempre só. Excepto os ocasionais bêbados, nunca ninguém lhe faria juras de amor, nunca ninguém o abraçaria,... Ficaria para sempre sozinho na noite com a sua luz."

SILVA, Sofia. Auto-retrato de um aborto, romance. Lisboa: Escritor, 2002.

...hoje não consigo dizer nada sobre o livro...

sexta-feira, março 04, 2005

Não sei porque se riem. Certamente não teve piada. Ninguém pode achar engraçado um triplo homicidio e um suicidio. São muitas mortes. Uma só já seria insuportável. Não, não te podes rir. Estando de fora pode parecer ridiculo, uma aldeia de cinco habitantes com tanta morte, mas não é caso para rir. Se parássemos para pensar, para imaginar o que estaria por detrás do acto desesperado daquele homem, talvez não nos atreveriamos a rir. As aldeias têm histórias fantásticas. Bem mais humanas, mais reais do que as que alguma vez poderão acontecer numa cidade como esta, onde ninguém sabe os nomes dos vizinhos que tem. As rugas dos velhos das nossas pequenas aldeias são bem mais fundas e mais sofridas que as nossas. São rugas merecidas, são troféus, vitórias sobre o tempo, sobre a própria vida. E, para esta gente, a morte não é algo tão puritano, tão imaculado como para nós, eternamente medrosos. Eles conhecem-na bem, sabem ao que cheira. Sabem perfeitamente o que é e porque existe. E não depende da sua religião, depende apenas das suas vidas. Queremos o mundo todo só para nós, enquanto eles são mais verdadeiros pois todo o mundo que pretendem, está ali. E nós rimo-nos. Idiotas, sim, não sabemos o que é a vida. Idiotas por acharmos feios aqueles velhos e velhas, desmanzelados, sem qualquer noção de moda ou estilo. Feios.
Não nos podemos rir. Não consigo imaginar o que aconteceu e porque aconteceu. Até porque li apenas esta notícia no rodapé apressado de um dos intermináveis tele-jornais que davam na televisão. Apenas isto, que, numa aldeia de cinco habitantes, tinha havido um triplo homicidio e que o homem se tinha matado no fim. Que engraçado, deve ter ficado apenas um na aldeia. Se calhar era o padre. Ah, ah! Caluda, aquele mundo não é o nosso. Não brinques com aldeões. Porque tu não os conheces mas eles sabem perfeitamente o que corre nessa tua cabecinha. Mas nunca vou conseguir saber o que se passou entre os habitantes daquela aldeia para que algo tão insólito acontecesse. Aqueles olhares, aquelas faces sem sorrisos falsos, as rugas, o cansaço, as mãos gretadas, a roupa negra... Admiro-os e gostava de os conhecer. Já os tenho visitado, certos livros apresentaram-me a este mundo fantástico, mas não se compara.
Eles conhecem a vida, a dor, a morte. Eles Vivem. E nós... rimo-nos (giggle) .