quinta-feira, setembro 30, 2004

(Os textos seguintes foram escritos no workshop de Escrita Criativa a que tive o prazer de ir em Agosto. Aconselho a todos a experimentarem porque qualquer um consegue escrever textos bonitos e interessantes, como tive a oportunidade de aprender lá.)


Escrever bem é deixar fluir o pensamento, deixá-lo pousar delicadamente no papel, escorregando pela tinta, ou grafite, com que o escritor se sente livre. Escrever bem é não pensar em regras, não pensar em leitores, nas suas opiniões e reacções à escrita, é simplesmente escrever. Não interessa tanto o bem da escrita que se faz, mas, muito mais importante, o bem que a escrita nos faz.
Escrever bem é libertar-se, é deixar sair de nós tudo o que nos alegra, o que nos entristece, os medos, as dúvidas, as angústias, as vergonhas, as diferenças. É deixar de ser apenas um corpo com pensamentos mas ser mais do que isso, ser papel, ser palavras, ser tinta, ser a própria escrita. É empenhar todo o amor, toda a força, todo o sentimento que nos move nas palavras que se escreve, elas que nos borbulham dentro da cabeça, deixá-las sair para que novas palavras nos encham de novo.


Sofia, leva-me para tua casa porque sou diferente e bem sabes como gostas de diversidade. Não me acomodo num só sítio e poderás desfrutar da minha companhia quando e onde quiseres, sou bastante flexível. Não faço muito ruído se precisares de silêncio mas não te deixarei adormecer profundamente. Posso rir-me histericamente das tuas piadas mas nunca te farei sentir embaraçada com elas. Vou conversar contigo sobre filosofia mas não te vou maçar com perguntas. Vou comentar contigo as fofoquices que ouvimos mas não nos deixarei cair no ridículo. Vou dançar contigo sobre as nossas camas mas com cuidado para não incomodarmos os vizinhos. Vamos chorar juntas se houver ocasião para isso mas não te deixarei isolar na tua amargura. Vou partilhar silêncios contigo. Serei a tua companhia se precisares e ausência se quiseres saborear um pouco de solidão. E, se me levares contigo para tua casa, hei-de te mostrar o que conheço e reaprenderei tudo de novo contigo, se me quiseres ensinar. Mas, por favor, Sofia, não me deixes aqui porque aqui tudo é igual e bem sei o quanto odeio a monotonia.

quarta-feira, setembro 22, 2004

Epa... Ando a escrever muito sobre política e o mundo lá fora. Estou a mudar o blog! Espero que não vos incomode muito,mas tenho mais uma questão a apontar.

Acho que é compreensível que, no dia de hoje, comente um pouco sobre a minha, nossa situação neste "regresso" às aulas. É muito estranho para mim ouvir falar em início de aulas quando ainda estou de férias. Ainda ontem, não fazia ideia qual era a minha turma. Como é que posso imaginar alguém a ter aulas? Ou a ir apenas à escola para ter furos/feriados (chamem-lhe o que quiserem).
Interessada como sou (às vezes...), estive atenta a parte do debate na rtp1 sobre este regresso às aulas. A nossa ministra esteve lá, assim como alguns outros políticos, professores, alunos. Fiquei decepcionada com alguns comentários por serem demasiado comestíveis, comerciais, i.e., certas entidades limitaram-se a dizer aquilo que nós, em casa, já esperavamos ouvir. Isso não vale de muito, meus senhores, tudo isso já foi dito. Já sabemos que o sistema informático não funcionou. O que eu acho completamente compreensível; é um sistema novo, é natural que ocorram erros. Não desculpo os exagerados atrasos porque, apesar de compreender os erros encontrados ao longo do processo, não aceito que não tenham sido previstos e prevenidos, no sentido de se iniciar a colocação de professores com atecedência, prevendo todos estes atrasos. Ninguém sabia quantos erros informáticos apareceriam neste novo sistema. Não sejam tão severos. Há muita gente a trabalhar para que tudo esteja pronto a horas (o que não aconteceu) mas não vamos cair em cima daqueles que durante meses não pararam, que deram fins-de-semana, horas extra e quem sabe o que mais para tratar de tudo isto. Todos vimos no que deu, não vale a pena voltar a falar do assunto, não é por criticarmos que as coisas vão andar mais depressa. Talvez se, em vez das criticas tão severas, nos deleitassem com alternativas eficazes. Para dizer mal, já temos muita gente.
Outra coisa que não compreendo é andarem já a exigir a demissão da ministra. Ela acabou de chegar... A culpa não é só dela. É de todo um conjunto, não é a demissão da ministra que fará a lista de colocados sair mais depressa. Tenham calma, deixem-na cometer mais erros e só nessa altura deverão preocupar-se com a sua demissão. Para já, na minha humilde opinião, é uma ideia sem sentido.
A minha maior preocupação neste momento, a este nível, são as minhas aulas. Têm-se esquecido muitas vezes os próprios alunos em todo o debate. Estou no 12º ano, vou ter exames em Junho. Tenho matéria para aprender. Todos os anos oiço os professores queixarem-se da falta de tempo para darem todo o programa até à data prevista, deixam por vezes matéria para o ano seguinte. Mas, desta vez, não há ano seguinte. Há exames e são os exames que me preocupam. São os exames que nos vão decidir o próximo ano. Em vez de questionarem a nossa ministra se pensa na sua demissão, perguntem se já considerou adiar as datas dos exames de forma a que este atraso na colocação dos professores não prejudique tanto os alunos do secundário.
Foi curioso ver os alunos que foram entrevistados no debate. Um pertencente ao ensino privado e outro ao público, já tendo passado também pelo privado. "Surfistas" de Lisboa/Cascais, como a própria jornalista os descreveu. Estavam ambos felizes pelo ensino que recebiam. Mas acredito que seria também interessante entrevistarem alunos de escolas fora de Lisboa. E, uma sugestão, deixem os alunos participarem no debate. Temos os professores, os políticos, temos todos a dar a sua opinião à excepção dos alunos, o objectivo/alvo de todo o Ensino e Educação. Não temos nós uma palavra a dizer sobre o assunto? Ninguém me perguntou nada, mas eu tomei a liberdade de expressar a minha opinião.
Comentem este post, deêm a vossa opinião. Qualquer que seja. Está aberto o debate.

(desculpem o longo post)

terça-feira, setembro 21, 2004

Hoje de manhã, quando encontrei "Sic 10 Horas" no meu constante zapping, parei para tomar atenção a um polícia que contava as últimas novidades sobre o caso da menina de 8 anos desaparecida há já uma semana. Quando soube inicialmente da notícia fiquei a pensar para mim o martírio de todas as noites dos pais que não sabem da filha, se está viva, se morta, bem ou mal. Como será imaginar uma filha naquele momento noutro local qualquer sem que ninguém saiba? Se eu já fico doente com o desaparecimento do meu telemóvel, ou da minha mala, ou do que quer que seja relativamente insignificante, não consigo sequer imaginar a aflição de um pai cujo filho está desaparecido. Mas não é este ponto que queria focar.
O que me prendeu mais a esta história foi a revelação que aquele polícia nos deu. Ao que tudo indica, a mãe, juntamente com o padrasto, vendeu a sua filha a um casal alemão para que a pequena Joana fosse viver com eles. Foi, portanto, levada com a polícia, algemada. Até se apurar a verdade.
A população está indignada. Foi a população, e não a própria mãe, que iniciou as buscas. Foi a população que deu por falta da menina. Pelo que foi dito, certa vez, quando a menina ficou doente, foi a senhora do supermercado que a levou ao hospital, e não a mãe. Contaram-se coisas que nunca me tinham passado pela cabeça (mesmo que, quando vi pela primeira vez a mãe a falar na televisão, não lhe ter encontrado a preocupação que esperava de qualquer mãe...).
Falou-se, então, do crime supostamente cometido pela mãe da menina. E, para o cúmulo, a venda da sua filha não é crime em Portugal. Mas... como é que isso é possível?! Bem, pelo que foi explicado pelo tal polícia, não é crime vender uma criança em Portugal, só o será caso seja para abuso sexual ou escravidão.
Pensem o que quiserem. Só vos digo que quando penso nisto, volto a recordar-me do que escrevi no post anterior, sobre o tráfico de crianças, e pergunto-me se tudo isto não andará à volta do mesmo. Pensem o que quiserem...

sábado, setembro 04, 2004

Eu não consigo estar mais calada. Nem sei como alguém consegue. Será que não viram televisão ontem? Não sabem o que aconteceu na Rússia? Não vos choca? Porque se conformam? Já se contam 500 mortos, metade deles crianças. Como é possível brincarem com as vidas daquelas crianças? Não consigo compreender o terrorismo, não consigo aceitar que um grupo de pessoas, que come, dorme, veste-se, vive, se apodere de uma escola e provoque tantas mortes de crianças. Crianças... Aquelas caras, aqueles olhos. Valeu a pena? O que mudou? Mudou um pouco de mim. Mas não era esse o objectivo principal, pois não?
Ontem estive com mais atenção aos noticiários da noite. Não gosto dos telejornais portugueses, que preferem galinhas só com uma pata do que notícias realmente interessantes e importantes. Mas hoje não pude deixar de ver. No fim de um noticiário, o pivôt relembra toda a tragédia da Chechénia, mostram-se imagens das crianças feridas, das mães deitadas sobre o cadáver dos filhos, pais a chorar, enfim, toda a tragédia. E, para finalizar, o pivôt despede-se com "Resta-me desejar-lhe um bom fim-de-semana". UM QUÊ?? Agora?!?! Depois destas imagens, destes factos, deste terror, quer que eu tenha um BOM fim-de-semana?!? Hipócrita! Qual é a alma que consegue dormir sem pensar nisto, sem se sentir impotente perante os acontecimentos. Nada disto se justificava, mas o que estava nas nossas mãos que pudesse ser evitado? Não consigo sonhar com coisas bonitas hoje. Quem consegue?

Também ontem soube que existia tráfico de crianças em Portugal. Sabiam? Pelos vistos até há bastante gente a saber. E porque se calam? Porque me dizem "Não sabias?! Ainda não tinhas percebido?"? Não sabia, não, e fiquei desolada quando soube. E, pergunto eu agora, se já sabiam, porque é que ninguém faz nada? Porque se limitam a estar calados, a contar aos outros que já sabiam?? Eu não me quero calar, não me quero conformar com o facto de 150 crianças serem abandonadas por ano num unico hospital, recém-nascidas, e não se saber exactamente para onde vão. Realmente, como é que as mães conseguem sair do hospital sem as crianças, não seria tão fácil localizá-las e entregar as crianças?? Negócio nos hospitais públicos? E a quantidade de crianças em condições de serem adoptadas, a quantidade de famílias a quererem adoptar e a lentidão dos processos para a adopção? Não posso acreditar que seja mesmo verdade, pois não?... Somos da União Europeia. Já deviamos ter um pouco mais de juízo. Ah, e mais. Sobre o aborto. Alguém sabe efectivamente qual é a nossa lei sobre o aborto? Pelos vistos, é igual à espanhola que diz que se a gravidez provocar problemas psicológicos à mulher, o aborto torna-se legal. Então porque é que os médicos espanhois aceitam os problemas psicologicos de uma mulher que quer abortar e os médicos portugueses não? Mais um esquema do tal negócio?? Eles querem as crianças? Os nossos médicos?!? Estou aterrorizada mas não me quero calar. Não sei ainda bem o que vou fazer mas não me consigo conformar com isto, com isto não, já foi longe demais. Estou farta de ser ingénua e impotente. Uma voz pode fazer muito, ao menos deixem-me acreditar nisso.

Alguém está comigo?...

quinta-feira, setembro 02, 2004

Só chegaste agora... Devias ter chegado um pouco antes. Agora já não sei o que te dizer. Sabes, estive aqui tempos sozinha, esperando-te. É curioso como as pessoas que passavam por mim várias vezes, cada vez com mais compras, olhavam-me com pena, com medo também. Detesto cruzar-me com gente conhecida quando estou sozinha. Não quis parar num sitio. Isso não podia ser, só mostrava a minha impaciência. Andei por todas aquelas ruas, fingindo ter um lugar para ir, evitando passar na mesma rua mais que duas vezes. Uma vez, parei numa loja. Entrei. Passeei-me por lá, vendo ao promenor o que vendiam, mesmo sem estar minimamente interessada. Devo ter demorado demasiado tempo, mais do que um normal comprador necessita, porque um funcionário da loja olhou tantas vezes para mim que teve mesmo de me vir perguntar se precisava de ajuda. Disse que não, obrigada. Saí passado pouco tempo, já me tornara suspeita. Percorri todos os lugares por onde podia ir e voltei ao ponto de partida onde tu ainda não estavas. Sentei onde antes estivera sentado um mendigo. Vê lá, até ele tem outro sitio para onde ir. Pensei e repensei em tudo o que te tinha para dizer. Todos essas ideias, essas confusões rebolavam na minha cabeça, pedindo ordem e libertação. E eu ia libertá-las contigo, extrair tudo, deixar-me esvaziar totalmente. Ia ficar exausta. Ia dar-te o poder de me destruir ou de me salvares. Terias tudo para isso. Mas tanto revolvi na minha cabeça, tanto arrumei para te mostrar que se tornou ridiculo. Como quando repetes uma palavra tantas vezes que, no fim, já não te recordas do que significa. Já não ia significar nada. A conversa que iamos ter já tinha sido totalmente imaginada na minha cabeça, todas as conversas possiveis, e jáo não conseguiria improvisar mais. Só chegaste agora, e agora já não tenho mais nada para te dizer. Talvez tenhas tu mais uma palavra para eu ouvir.

Sabes quando ouves uma música e te sentes apaixonado? Mesmo sem pensares em ninguém. Quando a música te pede para chorares, a voz triste que pede um acompanhamento. E sentes-te bem quando choras. Quando deixas que a música te leve. Sabes essa sensação? A música não é só ruído, não. É tanto sentimento. Não ouves, naquela guitarra delirante, na distorção que usa, nos acordes, nas notas, nos dedilhados, na raiva com que toca, na tristeza com que brinca com as cordas? E a voz, não a ouves, vinda mesmo lá de dentro, chorando palavras e gritos de esperança, de desilusão, de amor? Será que canta para alguém? Ou simplesmente canta para aquela música que a fez apaixonar, como a mim me faz? Conseguia escrever uma carta de amor sem amar ninguém. Bastava ouvir aquela música. Sabes qual é, não sabes? Queres... ouvi-la comigo?