sábado, fevereiro 18, 2006

Hoje. Felizmente, não tinha pensado muito no dia de hoje, não tinha planeado as minhas falas, ou mesmo as dos outros, como geralmente faço. Consegui escondê-lo do pensamento, consegui ser espontânea e viver um, e apenas um, momento daqueles. É agora e não posso pensar no que vou dizer. Vou ser eu.
Sei que ao subir estas escadas me vou encontrar com eles. Já não o vejo há mais de um ano (já passaram dois?), vou conhecê-la pela primeira vez. São ambos amigos, diferentes cumplicidades, mas os dois especiais. E nunca a vi… mas sei quem é.
Os olhos inquietos procuram o casaco negro que certamente ele trará. Encontro-o, estão ali. E, num momento, estou de frente para o casal. Sentados nas escadas, entretidos com o seu segredo. Acordam para mim. Sorrio-lhes. Ele continua igual, obviamente, não é pessoa de mudanças. E ela… é quem eu sabia que era. Ao primeiro relance, vi-lhe desenhados no corpo os contornos dos seus desenhos. Era quem me tinha apresentado, “esta sou eu, desenhada por mim, com os meus traços, com as minhas mãos” e, sim, ela sabia quem era. Vi-a, num instante apenas, nua nos seus traços como se me apresentou. Então é ela…
Formalidades cumpridas. Subimos para uma conversa à mesa. Sentei-me à frente dos dois. E conversámos. Receava (ao subir as escadas, instantes antes do encontro) de me envergonhar, de me conter, de me fechar como é costume, mas, incrivelmente, sentia-me tão bem junto deles que o à-vontade falou por mim. Foi bom revê-lo e ter uma voz a lutar comigo contra algumas das suas ideias que sempre julguei indemolíveis. E foi bom conhecer essa nova voz (não tem pronúncia, era a minha grande curiosidade) que se dirige tão naturalmente a mim, segurando-me com os olhos, fixos nos meus, ligados. Quando o diálogo era entre nós as duas, os olhos de ambas prendiam-se, admirando-se mutuamente, segredando acrescentos às palavras cruzadas. E o sorriso convidativo…
Mas houve algo mais que me fascinou. Os casais nunca me convenceram. Nunca me levaram a acreditar num sentimento sincero, puro, eterno. Nunca vi naqueles beijos chupados almas cruzando-se, mas apenas línguas, carne, fluidos. Os toques nunca foram para mim profundos, apenas superficiais, fúteis, mãos cheias de corpo e vazias de alma e entrega. Carência cega e mimada. Fome.
Sabia que ele e ela estavam juntos, mas não sabia como. Cada pessoa tem o seu modo de se relacionar e não sabia como o deles funcionava. E fiquei enternecida.
Nunca vi um casal tão perfeito. Com as pernas enleadas, a dela por cima da dele, irrequietas. Por vezes, surgiam brigas inocentes pela posição, sorriam-se, brincavam até encontrarem novo apoio com gestos cobertos de ternura. Partilhavam um afecto tão grande, nada cego, autêntico. Como se fossem realmente um só corpo, vivo, comandado por duas almas, não gémeas, mas siamesas, presas pelo mesmo corpo.
E o que mais me estranhou não foram estes mimos, foi o facto de não me sentir a mais. Não me senti, obviamente, parte daquele conjunto, mas a natureza daquela união já não tinha necessidade de atenção e resposta mútua, era algo tão impregnado neles que tornava as suas brincadeiras de pernas debaixo da mesa tão banais como um sacudir de cabelo quando se aventura em frente aos olhos.
Mas nada disto me derrubaria as ideias se não fosse aquele momento… Nem me recordo já do que estávamos a conversar na altura pois, mal se começou a desenrolar, apaguei tudo o resto para o seguir.
Era ele que me falava. Provavelmente sobre os seus ideais que sempre o caracterizaram e que geraram fascinantes discussões entre nós. Enquanto falava, tomei atenção a ela. Ouvia-o também, atenta como sempre se mostrou. Vagarosamente, pousa a mão na curva do braço dele apoiado na mesa. Sinto-a, vai-se instalar. De sorriso tranquilo, embalada pelas palavras que já não oiço, afaga o braço dele com a mão que lhe resta. E, aquecendo-me repentinamente no peito, deita delicadamente a sua cabeça naquele braço afagado, no ninho que aconchegou havia instantes e onde, agora, de olhos fechados, sorria, confortável.
O amor é isto e nada mais, soube-o naquele instante. O conforto, a cegueira dos olhos cerrados, a confiança naquele nicho, segurança, calor. Sei que ela sentiu também no seu peito o calor, a forma que o corpo tem de nos dizer que está bem. Confortável. No conforto acreditava. Percebi ali, amor é conforto. Afinal… sempre existe!
Talvez nem ele nem mesmo ela se tenham apercebido deste pequeno instante, como disse, os seus gestos afectuosos já eram de tal forma naturais que poisos destes não seriam tão raros que merecessem anotação. Não, o conforto deve ser permanente. Não os queria acordar daquele momento, procurei acordar eu, voltar às palavras dele, ver-lhe de novo a face, a boca que me falava, os olhos que me buscavam. Devo ter voltado a tempo, o discurso não tinha sido interrompido, logo, não se deve ter apercebido da minha alienação momentânea pelos gestos. Finjo esquecer o sucedido para retomar o diálogo.
O tempo passa, efectivamente, depressa. Os dias acabam, as horas terminam. Chegou a altura de me despedir deste meu casal amigo. Deixamos a mesa, afastamo-nos para um sítio mais espaçoso onde corpos desconhecidos demasiado perto não perturbem as últimas palavras de hoje.
Estou, de novo, de frente para o casal, ela do lado esquerdo, ele do direito. Curioso como, agora que deixo por escrito, me apercebo da importância e beleza do lado de cada um. Ela, a artista, do lado da criatividade, da imaginação, do coração; ele do direito, que, de acordo com os seus princípios e valores, não poderia estar mais correcto. Mas adiante…
Decidi despedir-me dele primeiro, afinal é aquele que conheço há mais tempo. Tive saudades dele, da forma como me abanava determinantemente para eu reagir, sempre com uma presença segura e amiga, mostrando-me não o caminho mas todas as alternativas. Ele olha para mim, julgo que descobriu a pessoa feliz (por vezes) que ouviu havia dias ao telefone. Depois deste encontro, não deixaremos passar tanto tempo até ao próximo reencontro.
Pouso agora o olhar nela. Sorri-me com a cara toda. Ainda bem que decidiu vir, os nossos receios de um encontro após algum tempo de convívio virtual, o medo da desilusão, do desencanto, estavam felizmente postos de parte. Vejo-lhe na cara o espelho da minha satisfação por nos termos conhecido. Repetiremos, sem dúvida, este encontro.
E, porque o tempo não pára, despeço-me finalmente dos dois, que não supõem sequer que a amiga que ali os deixou acordará confortável no dia seguinte graças ao amor que provaram ser possível.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

I'm an idiot. Era só para dizer isso...

As pessoas que não conhecemos pessoalmente não deviam falar à nossa frente. Isto porque de vez em quando descubro personagens magnificas sobre as quais começo a imaginar personalidades, vidas, qualquer coisa de fascinante sobre elas.
Como aquela rapariga de olhos enormes em Medicina. Que usa saias e botas, cabelo muito encaracolado, apanhado atrás. Parece uma bruxa, e não no sentido de feio ou mau, mas sim num sentido de fazer poções e feitiços. E o olhar é o mais fascinante. Olhos enormes, muito abertos, sobrancelhas pesadas, um olhar eternamente desconfiado. Não sorri muito.
Até ao dia que a oiço conversar com alguém e toda a magia se perdeu. E no outro dia dirigiu-se a mim, riu-se (sorriu) da minha piada. Já não é a bruxa misteriosa que via nela, mas não deixa de me atrair.
Ou o outro rapaz que também considerava muito curioso, de cabelo pelos ombros, barba por fazer, ar perdido. Até ao dia que me meti com ele e falámos. Tem uma voz muito bonita, foi o que recordei dele. Mas não está perdido, já tem um bom grupo.
Talvez eu julgue inconscientemente que essas gentes estão sozinhas à espera que eu pegue nelas e as cuide, só minhas. E esqueço-me que são gente viva que não espera por wannabe poets que lhes dêem um rosto novo, uma personalidade certa.
Ainda há uma personagem que nunca ouvi a voz, que nunca se deu a conhecer para além do que vejo sempre. É o "nosso amigo" do comboio. Um homem que corre sempre, sempre!, para o comboio, mesmo que esteja 15 minutos adiantado e que se senta sempre, sempre!, no mesmo lugar. Entra em pânico quando está ocupado. Nunca presenciei uma cena dessas, mas já ouvi relatos. Vai o caminho todo a fazer Sudokus. E quando sai da estação, também sai sempre, sempre!, a correr. Sobe as escadas (rolantes, ou não) a correr.

Enfim... vidas.
(próximo post é o 100. Estou a guardá-lo para um texto que tenho aqui. Espero que o mereça.)

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Tenho os pés gelados e ninguém para mos aquecer

E uma vontade enorme e escrever
Falta-me o jeito, falta-me o tempo
Falta
O peso das costas na responsabilidade
de ser o que desenhei
e desenharam
por mim
para mim
De repente
,

os olhos rasgados
pela lâmina da luz azul
Porque vivo numa casa tão estranha?
azul ou rosa
para que serve a cor se não muda
se se acomoda
nem padece
nem apodrece
nem aparece
se a pudesse
desligar...


(não devia ficar tanto tempo sem escrever...)