quarta-feira, maio 05, 2004

Morreu Hoje A Primeira Mulher

"Morreu hoje a primeira mulher...
Deslizaram corpos com sabor a mar
Fez-se silêncio para ouvir o som de um grito que nunca chegou...
Abrem-se janelas que te cortam com o frio o calor do corpo...
Apertas o corpo e abraças-te em ti mesmo,
Com medo de te dissipares...
Sentes o papel em que escreves e lambes as folhas. Porque
Nenhuma palavra te pode transportar ou viver por ti.
Rodopias nua de racionalidade e respiras
O que te resta. Talvez nunca tenha visto ser tão sensual
À face...de uma Terra.
O frio acentuava-te as formas
E denunciava a beleza que te restava. O vento,
Delator da verdade, soprou- te nos cabelos
E fez-te dele...Até que paraste de rodopiar,
Mesmo sabendo que continuavas imóvel...
És em mim agora, toda a estrada, vazia.
É em mim, que agora toca o frio,
Toca o interior, oco demais para conter mais que uma teia,
Interior aquele em que inspiro tudo o que me prende
A um exterior; às ruas que caminhavas descalça,
Que te enlaçavam e enlaçam, agora presa dentro de mim,
Numa teia de finos e molhados cabelos, em que te vestes...
Podes vir, vem agora e desliza dentro de mim,
Rodopia para eu te fazer parar. Dança...
Talvez além de assistir, eu dance contigo
E te compre o corpo...morto.
...Morreu hoje a primeira mulher."
(Patrícia Paixão)

É bonito, não é? É de uma grande poetisa que felizmente tenho a honra de conhecer e de saber o valor que a sua escrita tem. É pena que não o mostre a muita gente (curioso como as duas melhores poetisas que eu conheço pessoalmente são as mais modestas e mais reservadas em relação à sua escrita - ou será a tudo o resto?- ). Certamente concordarão comigo quando digo que é uma mais valia para este blog ter a honra de publicar este poema com autorização da poetisa. Gostei muito dele, mais do que qualquer outro, ela é capaz de perceber porquê. Leiam novamente...

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