domingo, outubro 20, 2013

Dedilhado

Por cima do armário
Esperava-me a guitarra
Em que aprendi a tocar
A que viajou comigo
A que exibi na escola
A que, ainda hoje,
Melhor se ajusta aos meus dedos

A quarta corda permanecia quebrada
Desde a última vez que desisti dela
Soltei-a, rompi o defeito, instalei-a de novo
Enquanto o cheiro a cordas usadas
Incitava memórias antigas
E me perdoava os anos longe
Pela afinação que se mantinha
 - misteriosamente -
Aceitável

Os dedos correram para o recreio
Para aquele dedilhado primeiro
Onde tropeço invariavelmente
Quando inauguro um espaço sonoro
É ainda automática aquela dança,
aquela cadência, aquele consolo

Prossegui então
Para o embalo infalível
Da música que sempre se segue
À abertura do recital restrito
Desta vez, a memória falhava
E recorri à ajuda de casa

Mergulhei nos papéis desses tempos
Em que aprendia canções
Por números em linhas paralelas
E começava a distinguir
Cordas, trastes, acordes - maiores e menores
Riffs, solos, slides, bends e hammer ons
Entre outros estrangeirismos impressionantes
Do rock elétrico em que me especializava

Reconstrui, então, o automatismo da manobra
Já sem papel, de olhos semi-cerrados
toquei, no meu compasso, na minha emoção,
música inevitável para qualquer guitarra
que surja no meu colo
A que me sossega

Terminada a terapêutica interpretativa
Regressei aos papéis e apontamentos
Dos dias das músicas mais prolixas
Que a imaturidade do meu discurso
Mergulhei naquele repouso adolescente
E voltei à canção onde este amor começou
Terminei escutando-a, de novo,
Para confirmar que o amor se mantém puro

Surpreendente e unintended

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