quinta-feira, outubro 31, 2013

Anorexia

Ficou-me o termo pela dureza do mesmo. Aguentar com um pouco menos do que antes. Acreditar sempre que aguento. E depois, de um momento para o outro, o corpo cede tão de repente que não serei mais capaz de recuperar.
Preciso de um bife.

Há um longo caminho a percorrer ainda. Por agora é conseguir vê-lo. Hei-de então respirar fundo e dar o primeiro passo.

domingo, outubro 27, 2013

E assim me cansei dos poemas corridos.

Vim aqui para me aconchegar mais uma vez nas palavras escritas. Mas hoje não há nada a dizer. Há talvez um peito quente, a Lhasa a cantarolar e um telefonema amigo. De resto, apenas a crença crescente em dias melhores. Sim, hoje já consegui trabalhar. Hoje já penso um pouco melhor.

Ainda não sei porque o escrevo. Mas é preciso. Por agora, é preciso.

sexta-feira, outubro 25, 2013

Queria falar sobre isso.
O dia transborda 
E não há onde escoá-lo
Tanta coisa
Tanta coisa
Tanta contenção
Para que não me afunde

Se abrira boca vomito tudo.
Tenho medo de começar a falar.

domingo, outubro 20, 2013

Dedilhado

Por cima do armário
Esperava-me a guitarra
Em que aprendi a tocar
A que viajou comigo
A que exibi na escola
A que, ainda hoje,
Melhor se ajusta aos meus dedos

A quarta corda permanecia quebrada
Desde a última vez que desisti dela
Soltei-a, rompi o defeito, instalei-a de novo
Enquanto o cheiro a cordas usadas
Incitava memórias antigas
E me perdoava os anos longe
Pela afinação que se mantinha
 - misteriosamente -
Aceitável

Os dedos correram para o recreio
Para aquele dedilhado primeiro
Onde tropeço invariavelmente
Quando inauguro um espaço sonoro
É ainda automática aquela dança,
aquela cadência, aquele consolo

Prossegui então
Para o embalo infalível
Da música que sempre se segue
À abertura do recital restrito
Desta vez, a memória falhava
E recorri à ajuda de casa

Mergulhei nos papéis desses tempos
Em que aprendia canções
Por números em linhas paralelas
E começava a distinguir
Cordas, trastes, acordes - maiores e menores
Riffs, solos, slides, bends e hammer ons
Entre outros estrangeirismos impressionantes
Do rock elétrico em que me especializava

Reconstrui, então, o automatismo da manobra
Já sem papel, de olhos semi-cerrados
toquei, no meu compasso, na minha emoção,
música inevitável para qualquer guitarra
que surja no meu colo
A que me sossega

Terminada a terapêutica interpretativa
Regressei aos papéis e apontamentos
Dos dias das músicas mais prolixas
Que a imaturidade do meu discurso
Mergulhei naquele repouso adolescente
E voltei à canção onde este amor começou
Terminei escutando-a, de novo,
Para confirmar que o amor se mantém puro

Surpreendente e unintended

sexta-feira, outubro 18, 2013

A dor de não saber onde dói
Disse ela,
Estão bem entregues
E o dia pareceu menos mau

Negação

Entrego-me à fé ingénua
De que os seus olhos vêem
Através dos meus cobertos

Entrego a sorte
A quem não sente
A pele que me arde

Calo
Consinto
Sinto
Suporto

E aceito em silêncio
O peso com que testam
A resistência do meu corpo vão

Sem ar
Falta-me a voz
Para lembrar o não

É preciso aprender
A dizer
Não

É preciso chamar a razão

quinta-feira, outubro 17, 2013

Psicomotricidade

Não me tirem este cansaço
E a vontade de correr
Corro, que vou tarde
Mas com vontade
De ser jovem e
Regressar a mim

Preciso
Da Márcia e da pele que há ali
No gesto da mão vago
No pé que me apoia
No corpo que ressalta
E que, no compasso, se exalta

Relaxo metodicamente
Um pescoço que esquecera
Tão sério
Espreguiço e as palmas
Das mãos abarcam,
De novo,
O mundo inteiro

O esterno olha o céu
Quando os braços cruzam,
Esquerda junto ao corpo,
Movimento fluido
E uma aparente naturalidade
No acerto com os tempos contados

Sete, oito e...
Um dois três
Um dois três
Plié e um
Quatro cinco
Meia volta um

Aqui, na fusão do gesto
E da música que quero sentir
Esbato a dor dos dias dificeis
No chão onde me deito
No suor a que me sujeito
No ar pesado deste cansaço
Bom


terça-feira, outubro 15, 2013

Disse-me que tinha cara de quem escrevia bem e escolheu o meu segundo nome. Tem tudo para dar certo.
Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação

domingo, outubro 13, 2013

Microconto #2

Subiste comigo. Sós. A gata ciumenta fita o corpo que tenta não ceder. Receio perder a postura. A tontura torna-se difícil de contrariar. Não distingo a distância que nos separa, que não nos separa. Ardo e não te toco. Os braços entorpecem e as pernas fraquejam. Fecho os olhos e lanço-me, na câmara lenta que se impõe, à espera que me segures.

Microconto #1

Saiu à rua para ver chover. Em casa, o ruído afogava o espaço. Ainda os ouve, tempestuosos, cuspindo insultos às paredes que construíram um dia. Cá fora, a água é outra. Lava as feridas, suaviza a turbulência e escoa a dor de pertencer à casa sonora. Na rua era melhor. Ali a chuva não desiludia. A chuva era tal e qual aquilo com que sempre sonhara.
De novo, a recordação da guitarra.
Sentada nas escadinhas, como chouriço e oiço fado. A tendência mantém-se, a guitarra prende-me mais naturalmente que a voz. O ritmo, as trocas dos dedos, as cordas que saltam em cadência portuguesa. Não demorou ao pé entrar no ritmo e as minhas próprias mãos e dedos procurarem espelhar aqueles gestos. Toco no ar a música que ainda não sei, mas pouco importa porque regresso hoje a casa com a lembrança da urgência da música.
Hei-de tocar.

sábado, outubro 12, 2013

Como a escrita liberta...
Ando contigo a peito e já não estou habituada a escrever estas coisas. 
De vez em quando, surge alguém assim, que cativa, que transforma, que significa. E chegaste tu. Não em total surpresa, que basta um contacto breve para se adivinhar a tua singularidade. Mas o tempo fermenta e o trauma une. Sabes do que falo e citas Exupéry.

Responsáveis por quem cativamos.

Enfim, poderia prosseguir o palavreado florido e mascarado. O que importa é que é urgente mostrar-me grata. O número pode estar sempre disponível mas é aqui que te contacto, aqui onde não sei se me virás ler. Aqui, no meu jardim de palavras confusas. Aqui, onde me sinto livre para afirmar, de peito cheio, que me és alguém significativo e que te quero escrever.
Escrevo a quem me toca. E tu abriste os braços quando me viste chegar.
Também não te esqueço. Também me responsabilizo.

sexta-feira, outubro 11, 2013

Recuperação

O sorriso largo e o abraço no primeiro instante cruzado.
O chá francófono que serena.
O telefonema para que o cuidado não seja esquecido.
O toque no ombro e o diminutivo no nome.
A questão.
Tudo bem?
Os olhares mais longos.
E a palavra formal que embrulha o mimo latente.
Curativos.

Já estou melhor, obrigada.

terça-feira, outubro 08, 2013

What you can bear

Pedi ajuda.

Não me recordo de dias assim. Uma angústia constante mantém-me inerte ao longo da jornada, sempre rindo quando o assunto é demasiado duro para o viver em pleno sem o choro. É a minha protecção. Sorrio, rindo-me do absurdo da situação, fingindo que passo por ela com uma força surpreendente, como se fosse o esperado, como se nada fosse.
Mas é. E vejo-o nos olhos de quem o vive comigo, de quem ouve relatos e acrescenta a sua própria tragédia à comédia destes dias. E eu rio, porque não há mais nada a fazer.
Até que ela compreende que não tenho apenas uma capacidade notável para sorrir. Expõe-me a fragilidade e eu tropeço. Quase que caí nas lágrimas abafadas da minha dor, mas ri ainda mais e fugi pelas portas que me deixaram abertas. Não falei da dor. Não podia, não ali, não em funções laborais.
O que é certo é que me validaram a dor. É agora permitido perguntar como tenho passado, se me sinto melhor, como estou. E agora compreendo que mereço sofrer.
Mereço chorar a angústia destes dias duros, das más noticias, da soma das dificuldades, da manutenção das problemáticas. Agora que me perguntam, tenho de o chorar.
O luto.
Os lutos.