Ele gosta de ti. Cheiras bem.
Apesar de ter vindo a escrever cada vez menos, estou com o pensamento sempre presente na escrita. Há tanta coisa que vejo, que sinto, que quero transmitir e tornar eterno, mostrar ao mundo para tentar saber se serei a única. The bliss.
Por vezes são cores. O céu ao anoitecer, as nuvens em fogo. Mas faltam-me os termos para as cores. Só conheço este. Vermelho. Ou laranja.
Ou então é um gesto mínimo. Um pé ou uma mão que se contorce num beijo. Um olhar perdido ou um sorriso escondido. Ou a minha mão a esconder o meu sorriso solitário quando vou sozinha na rua e a tirá-lo da cara, a puxar os cantos da boca para o seu sítio certo. Mas só conheço estes termos.
Ou o cheiro dela que me acalma e conforta. E ali fico, encostada, satisfeita, falando devagar e sem importância, porque me cheira a gente que estimo.
Ou aquela frase que me disseram, aquela lá em cima, que me soube tão bem. Ou um sorriso que me devolvem. Ou um riso solto quando não esperava.
Ou quando leio o livro da Katherine Mansfield e me descubro a rir sozinha, a sentir-me feliz por viver aquelas palavras mais belas que eu. E o inglês que me soa tão bem a ressoar na cabeça. How exquisite.
Ou quando oiço este album de Placebo que me estava mesmo a apetecer e me sento ao computador, pronta para escrever o que sinto e só me sai as líricas que oiço. E depois há estes solos de guitarra que não dá para escrever.
Ou quando vou ao blog da Mina e me sinto em casa. O fundo é tão acolhedor. Apetece ficar com a janela aberta imenso tempo, só a deixar o ambiente preencher-me.
Mas não sei.
Geralmente pergunto-me se é mesmo esta a minha arte. Talvez se me dedicasse ao cinema, por exemplo! Já me disseram, e eu até concordo, que gosto muito de descrever imagens, gestos. Talvez se escrevesse um guião (se soubesse como é) ou uma peça de teatro me sairia melhor. Mas faltam-me as histórias. Os meus pedaços são tão pequenos que não durariam cinco minutos em palco. Ou no ecrã.
Quem sabe, um dia.
Eu precisava de tempo para me sentar e não pensar em mais nada. Não consigo. Se reunisse tudo o que escrevi, analisasse tudo ao promenor, talvez encontraria um fio que seguir, talvez conseguisse juntar todos os pequenos pedacinhos, sem forçar, e saísse algo digno do que queria expor.
Como me disseram (como tu me disseste), a ficção não pode superar a realidade, não existe. Sim, é a minha realidade que me fascina e não as personagens que me surgem forçadas na cabeça. E era a minha realidade que gostava de transmitir, todos os pequenos pedacinhos, os bons, os maus, os secretos, os públicos, os podres. Mas não posso porque não vivo sozinha. Não sou eu que crio a minha realidade, são os outros que entram pelos meus sentidos adentro. E eu não tenho o direito de lhes tirar a intimidade e confiança que depositaram em mim. Complicações.
Como posso ser tão cuidadosa?!
Tenho uma pedra no coração.
terça-feira, abril 25, 2006
domingo, abril 23, 2006
[um parágrafo que prometia mais... ]
Maria Candeias cheirava a amêndoa. Passeava altiva pelas ruas de Lisboa, envolta no seu casaco vermelho de lã em dias de Primavera, baloiçando a sua saia pelo joelho. Sempre de passo apressado, mas sem nunca perder a sandália solta no seu pé, aquela mulher alta conseguia passar despercebida aos olhos dos mais comuns pois os seus olhos não se prendiam a ninguém, não reclamavam atenção e seguiam sempre uma rua adiante, como se prevessem o passo seguinte.
[e não consegui continuar...]
Maria Candeias cheirava a amêndoa. Passeava altiva pelas ruas de Lisboa, envolta no seu casaco vermelho de lã em dias de Primavera, baloiçando a sua saia pelo joelho. Sempre de passo apressado, mas sem nunca perder a sandália solta no seu pé, aquela mulher alta conseguia passar despercebida aos olhos dos mais comuns pois os seus olhos não se prendiam a ninguém, não reclamavam atenção e seguiam sempre uma rua adiante, como se prevessem o passo seguinte.
[e não consegui continuar...]
terça-feira, abril 18, 2006
para Inês
Já lhes oiço a respiração compassada. Não admira, depois do dia de hoje o sono toma conta do corpo bem depressa. Não houve tempo sequer de soltar as cortinas, a escuridão é igual, mas um brilho frágil faz-nos companhia na sala. A lua espreita-nos. Vejo-a daqui, lá fora e no alto, gorda e amarelada, incendiada pelas luzes da nossa Terra. Não é lua-cheia, mas está a caminho. Está lua-botão. Sim, é isso, um botão redondo a sair da casa a que pertence no manto negro de veludo, salteado de estrelas pequeninas mas formosas. Um botão.
O sono ainda não me encontrou, por isso, sento-me para que me veja. A luz do botão aponta-me para dentro e ilumina-me a casa. Todos dormem, espalhados pela sala. O Pedro, no sofá, dorme de boca aberta e de mão pendente, a pouco mais de um palmo da cara do Zé. Talvez por isso ele esteja a dormir de testa franzida. Mais ao fundo, o casalinho dorme bem junto, testas juntas. A meu lado, a Ana parece uma boneca, bem enrolada no seu saco-cama, só com a cabecinha de fora e um sorriso discreto a decorar-lhe o rosto. Aqui perto ainda vejo os restantes dois vultos, mas estão tão aninhados que não os distingo. Adoro vê-los dormir.
Com cuidado para não acordar ninguém, serpenteio-me para fora do meu saco-cama e, em pezinhos de lã, saio para a varanda. Está fresco, a brisa marota sopra-me para dentro da camisa e arrepia-me as costas. Ao menos refresco-me, ali dentro estava demasiado abafado pelo calor do sono.
Estou sozinha. Ninguém me pede palavras ou sorrisos, ninguém me pede nada. Vejo o mar, não muito longe, ainda acordado. Oiço-lhe a respiração, o lamber da areia gelada, a queda de cada onda. Não se agita muito, sei-o porque a lua arrasta-se num traço indefinido sobre a água. E também, a lua e o mar, ambos frios.
Talvez se cerrar os olhos e respirar fundo deixe de ser este corpo por um instante. Não porque não goste dele, mas apenas porque me atrapalha às vezes. De olhos postos em gentes, admiro-os e estudo-os embevecida pela peculiaridade de cada cara, de cada gesto discreto, de cada relação. E, às vezes, descobrem-me.
Acordo sobressaltada, esquecida que também sou como eles, carne, gestos e dor, viva e visível. Ninguém deve gostar de ser examinado assim, por isso gostava de, ao fechar os olhos e respirar fundo, deixar de ser este corpo e poder observar gentes sem incomodar ou interferir. Mas agora todos dormem, já sou invisível.
Penso neles e essa memória traz em anexo em sorriso delicioso. Passámos um bom bocado. Faltarão sempre termos para definir os nossos dias juntos. Ao contrário de quando os observo, nestes dias senti-me parte de um todo, fomos todos um só entusiasmo, uma risada só, vivemos todos o mesmo e da mesma forma. É surpreendente descobrir o uníssono das nossas vontades, das nossas loucuras. Fomos loucos e soube tão bem. Livres. Vivos.
Agora dormem. Devoro-lhes agora o olhar. O Ricardo, ali no meio, tem um braço imóvel no ar e uma mão a deslizar vagarosamente ao longo do braço adormecido. Sono profundo. O Pedro vira-se para o outro lado, enrosca-se no sofá. O silêncio permanente ritmado pela respiração sonolenta da sala. E a luz da lua-botão beija o cabelo solto de todos eles.
Não quero sair daqui. Esta paz deveria durar para sempre.
Mas o tempo não pára. As memórias ficam, o tempo segue e desenha em nós memórias. No fundo, somos ingratos. O tempo foge, diz-se. Não, o tempo ri-se de nós. É o pai que nos acompanha pelo passeio e nós, crianças irrequietas, ou corremos muito depressa e, lá no fundo, temos de esperar por ele, ou detemo-nos a observar alguma coisa, a brincar com as pedras da calçada e, quando damos por nós, ele já lá vai longe, chamando-nos para que não nos percamos. Porque o tempo mantém o seu tempo. Nem nos acompanha na corrida, nem se detém connosco. Mas não se esquece de nós, chama-nos tanta vez para que não nos percamos de vista. Sem ele estaríamos sós.
“Por aqui?” oiço. A Sofia vem até à varanda. Deve ter ido à procura de petiscos e reparou na minha figura na volta. Com o olhar que só eu lhe conheço em momentos silenciosos, lê-me o aranhiço de pensamentos. Em silêncio, vêmo-nos assim, sozinhas numa noite azul, sonhando com tudo o que foi e o que será.
Tenho de lhe falar, que me pede.
“Onde estaremos amanhã?”. O nosso tempo pai já nos chama, parámos de novo, absortas neste instante, sob o luar de hoje, no fresco da noite, na penumbra do mar, no cheiro salgado, no sossego.
Sofia sorri-me e abraça-me como se abraça o tempo. Corremos até ele para não ficarmos mais para trás, abraçamos-lhe as pernas – porque ainda somos pequenas demais para chegar mais alto -, com muita força, para o fazer abrandar, mas, ao mesmo tempo, riamo-nos com a malandrice porque sabemos que ele é bem mais forte que nós. Ri-se connosco, arrasta-nos, alguns passos. Faz-nos cócegas para soltarmos a sua perna, é impossível resistir a este golpe.
Alegremente vencidos, libertamo-nos e estendemos-lhe a mão para que nos guie assim até á próxima corrida ou à próxima paragem no nosso percurso. Mas, por agora, de mão dada, sigo de mão dada com Sofia de volta para a sala onde o sono finalmente me encontra, me deita e, com um beijo de boa noite, me aconchega e me sussurra “boa noite, meu bem, descansa agora, amanhã estaremos um pouco mais longe...”.
Já lhes oiço a respiração compassada. Não admira, depois do dia de hoje o sono toma conta do corpo bem depressa. Não houve tempo sequer de soltar as cortinas, a escuridão é igual, mas um brilho frágil faz-nos companhia na sala. A lua espreita-nos. Vejo-a daqui, lá fora e no alto, gorda e amarelada, incendiada pelas luzes da nossa Terra. Não é lua-cheia, mas está a caminho. Está lua-botão. Sim, é isso, um botão redondo a sair da casa a que pertence no manto negro de veludo, salteado de estrelas pequeninas mas formosas. Um botão.
O sono ainda não me encontrou, por isso, sento-me para que me veja. A luz do botão aponta-me para dentro e ilumina-me a casa. Todos dormem, espalhados pela sala. O Pedro, no sofá, dorme de boca aberta e de mão pendente, a pouco mais de um palmo da cara do Zé. Talvez por isso ele esteja a dormir de testa franzida. Mais ao fundo, o casalinho dorme bem junto, testas juntas. A meu lado, a Ana parece uma boneca, bem enrolada no seu saco-cama, só com a cabecinha de fora e um sorriso discreto a decorar-lhe o rosto. Aqui perto ainda vejo os restantes dois vultos, mas estão tão aninhados que não os distingo. Adoro vê-los dormir.
Com cuidado para não acordar ninguém, serpenteio-me para fora do meu saco-cama e, em pezinhos de lã, saio para a varanda. Está fresco, a brisa marota sopra-me para dentro da camisa e arrepia-me as costas. Ao menos refresco-me, ali dentro estava demasiado abafado pelo calor do sono.
Estou sozinha. Ninguém me pede palavras ou sorrisos, ninguém me pede nada. Vejo o mar, não muito longe, ainda acordado. Oiço-lhe a respiração, o lamber da areia gelada, a queda de cada onda. Não se agita muito, sei-o porque a lua arrasta-se num traço indefinido sobre a água. E também, a lua e o mar, ambos frios.
Talvez se cerrar os olhos e respirar fundo deixe de ser este corpo por um instante. Não porque não goste dele, mas apenas porque me atrapalha às vezes. De olhos postos em gentes, admiro-os e estudo-os embevecida pela peculiaridade de cada cara, de cada gesto discreto, de cada relação. E, às vezes, descobrem-me.
Acordo sobressaltada, esquecida que também sou como eles, carne, gestos e dor, viva e visível. Ninguém deve gostar de ser examinado assim, por isso gostava de, ao fechar os olhos e respirar fundo, deixar de ser este corpo e poder observar gentes sem incomodar ou interferir. Mas agora todos dormem, já sou invisível.
Penso neles e essa memória traz em anexo em sorriso delicioso. Passámos um bom bocado. Faltarão sempre termos para definir os nossos dias juntos. Ao contrário de quando os observo, nestes dias senti-me parte de um todo, fomos todos um só entusiasmo, uma risada só, vivemos todos o mesmo e da mesma forma. É surpreendente descobrir o uníssono das nossas vontades, das nossas loucuras. Fomos loucos e soube tão bem. Livres. Vivos.
Agora dormem. Devoro-lhes agora o olhar. O Ricardo, ali no meio, tem um braço imóvel no ar e uma mão a deslizar vagarosamente ao longo do braço adormecido. Sono profundo. O Pedro vira-se para o outro lado, enrosca-se no sofá. O silêncio permanente ritmado pela respiração sonolenta da sala. E a luz da lua-botão beija o cabelo solto de todos eles.
Não quero sair daqui. Esta paz deveria durar para sempre.
Mas o tempo não pára. As memórias ficam, o tempo segue e desenha em nós memórias. No fundo, somos ingratos. O tempo foge, diz-se. Não, o tempo ri-se de nós. É o pai que nos acompanha pelo passeio e nós, crianças irrequietas, ou corremos muito depressa e, lá no fundo, temos de esperar por ele, ou detemo-nos a observar alguma coisa, a brincar com as pedras da calçada e, quando damos por nós, ele já lá vai longe, chamando-nos para que não nos percamos. Porque o tempo mantém o seu tempo. Nem nos acompanha na corrida, nem se detém connosco. Mas não se esquece de nós, chama-nos tanta vez para que não nos percamos de vista. Sem ele estaríamos sós.
“Por aqui?” oiço. A Sofia vem até à varanda. Deve ter ido à procura de petiscos e reparou na minha figura na volta. Com o olhar que só eu lhe conheço em momentos silenciosos, lê-me o aranhiço de pensamentos. Em silêncio, vêmo-nos assim, sozinhas numa noite azul, sonhando com tudo o que foi e o que será.
Tenho de lhe falar, que me pede.
“Onde estaremos amanhã?”. O nosso tempo pai já nos chama, parámos de novo, absortas neste instante, sob o luar de hoje, no fresco da noite, na penumbra do mar, no cheiro salgado, no sossego.
Sofia sorri-me e abraça-me como se abraça o tempo. Corremos até ele para não ficarmos mais para trás, abraçamos-lhe as pernas – porque ainda somos pequenas demais para chegar mais alto -, com muita força, para o fazer abrandar, mas, ao mesmo tempo, riamo-nos com a malandrice porque sabemos que ele é bem mais forte que nós. Ri-se connosco, arrasta-nos, alguns passos. Faz-nos cócegas para soltarmos a sua perna, é impossível resistir a este golpe.
Alegremente vencidos, libertamo-nos e estendemos-lhe a mão para que nos guie assim até á próxima corrida ou à próxima paragem no nosso percurso. Mas, por agora, de mão dada, sigo de mão dada com Sofia de volta para a sala onde o sono finalmente me encontra, me deita e, com um beijo de boa noite, me aconchega e me sussurra “boa noite, meu bem, descansa agora, amanhã estaremos um pouco mais longe...”.
sexta-feira, abril 07, 2006
posso agora talhar ruas imensas, casas imóveis, abandonadas
algumas nuas a morrerem assim, tristes, inquietas, azuis, sozinhas
mas isto não acaba
algures num alvor atado quando uma igreja nos ouvir
jorraremos o amor ousado
rasgaremos a imagem sem titulo
foge rato amargo, nunca consegues instalar-te sem coração ausente
corre ave terrestre, a rasgos isto não avança
ama, negro trovão, o nosso idiota orvalho
riscos a queimar um elegante lume
monstros ocultos no interno corpo ardente
inevitavelmente, nós estamos sós...
[nova experiência... quem perceber como surgiu este poema, avise]
algumas nuas a morrerem assim, tristes, inquietas, azuis, sozinhas
mas isto não acaba
algures num alvor atado quando uma igreja nos ouvir
jorraremos o amor ousado
rasgaremos a imagem sem titulo
foge rato amargo, nunca consegues instalar-te sem coração ausente
corre ave terrestre, a rasgos isto não avança
ama, negro trovão, o nosso idiota orvalho
riscos a queimar um elegante lume
monstros ocultos no interno corpo ardente
inevitavelmente, nós estamos sós...
[nova experiência... quem perceber como surgiu este poema, avise]
Subscrever:
Mensagens (Atom)