quarta-feira, março 31, 2004

Hoje abraçaram-me

E eu chorei...

terça-feira, março 30, 2004



Cada Vez Mais Aqui

Queres lutar com quem?
Para doer aonde?
Para ser o quê?
Achas que ninguém vê?

E para quê fingir?
Porquê mentir e remar na dor?
Achas que ninguém vê?

Também eu queria parar...
chorar
cair... para me levantar,
para te puxar!
Te fazer sorrir...
não voltar a cair!

Não me olhes assim!
Continuo a ser quem fui!
Cada vez mais aqui...
não dances tão longe..!
...que eu já te vi

Também eu queria parar...
chorar
cair... para me levantar,
para te puxar!
Te fazer sorrir...
não voltar a fugir!

(Toranja)
Preciso que alguém dance comigo. Estou sozinha no meio de todo este grande grupo. Engraçado como, apesar de estarmos todos em círculo virados para o centro, ninguém olha para ninguém, cada um esconde o seu olhar naquela individualidade que nunca tinha visto antes e que entra neste momento na sala. Parece que procuram algo fora deste círculo para poderem sair dali. Ou não, talvez não queiram sair, talvez procurem não desperdiçar tanto tempo em silêncio, ao menos assim estão entretidos a olhar alguém desconhecido, enquanto o assunto de conversa não chega.
Estou cansada de estar aqui feita normal a olhar para fora do nosso círculo. Não estou aqui a fazer nada. Vou sair. Mas não tenho para onde. Tenho ali outro círculo de gente conhecida. Estão um pouco mais alegres, sorriem, olham-se, divertem-se. Mas cheguei tarde e não caibo mais nesta circunferência apertada. Vou sair novamente, vou procurar um refúgio. Ali está um... Alguém, uma, duas pessoas que conversam e que eu conheço. Aproximo-me. Conversamos um pouco. Mas algo chama essas duas pessoas e eu fico isolada. Mas não, agora não vou sair daqui.
Enquanto espero - e não espero... - pela sua atenção de volta, aproveito para estar sozinha. Vejo mais uns quantos conhecidos por ali, não em círculo, conversando efectivamente, poderia aproximar-me e deixar de estar aqui sozinha. Mas não o faço, eles pediriam-me um sorriso e eu já esgotei os meus. E sabe bem estar aqui sozinha. Sabe bem estar isolada, perdida em mim mesma, enquanto, talvez, quem passa, me julgue acompanhada por aquelas pessoas que desviaram a sua atenção, que nem fazem ideia que continuo aqui. E ainda bem... Por momentos posso estar sozinha sem me sentir demasiado estranha. Talvez não olhem para mim e pensem "Tadita, tá mesmo à nora!". Duvido, mas enfim. Já não me importo. hoje não me importo com o que os outros poderão pensar de mim. Engraçado, logo hoje em que todos se julgam e avaliam uns aos outros. Mas ninguém me vê por dentro, ninguém me poderá julgar. Não me preocupo. Acabou-se.
"Ah, não sabia que ainda estavas aqui". Pois, eu sei que não sabiam, por isso é que me deixei ficar por aqui. Ninguém sabia onde estava e, vê lá, estava tão próximo. Mas agora já voltaram a vossa atenção para mim e sei que não me vão largar agora. Porque eu estive aqui, à vossa espera, e vocês ficaram espantados com isso. Pois é, mas eu não poderia esperar por mais ninguém. Porque mais ninguém me deixaria estar sem sorrir. Realmente, não há melhor lugar para estar agora senão ao pé de vocês.
Preciso que alguém dance comigo. Preciso de alguém que me abrace sem ter razões para isso. Preciso que alguém me sorria, que me diga aquelas frases entre o sonho e o acordar que nunca mais sairão de mim, preciso de alguém que esteja só para eu poder sentir. Preciso que alguém dance comigo, só para poder estar junto a alguém. Preciso mesmo de dançar. Mas hoje parece que todos têm o olhar fora do círculo. Ninguém me abraçará hoje. Nem amanhã. Nem depois. Porque não descobrem razões para isso.
Talvez se lessem um texto como este, talvez aí já encontrariam razões, mas agora já não preciso, agora já vos disse, agora já não servia de nada. Porque assim, já havia razões. E eu só quero abraços sem razões... Não sabem ler nos meus olhos presos ao chão o abraço que eu pedia... E não há abraços desses...

sábado, março 13, 2004

21 Gramas


"They say we all lose 21 grams
at the exact moment of our death...
everyone.
The weight of a stack of nickels.
The weight of a chocolate bar.
The weight of a hummingbird..."

Ontem foi ver o filme "21 Gramas". Não foi dos filmes que mais me tocou e que mais me marcou mas, sem dúvida, fez-me pensar muito. Especialmente, na fragilidade da vida. Jovem como sou, tenho tendência natural para pensar que sou imortal. Sou nova, ainda tenho muito que viver, nem sinto o cheiro da morte passar por mim. Não perdi ainda pessoas muito chegadas. Provavelmente ainda não compreendi o conceito de morte muito bem.
Há uns dias atrás, estava deitada já, à espera de adormecer, quando o meu coração decidiu assustar-me. Acelarou muito, durante meio segundo e quando parou ficou uma sensação esquisita no coração como se preparasse para o fazer outra vez. E, provavelmente pela primeira vez na minha vida, senti que ia morrer. Senti que me iria acontecer alguma coisa durante a noite e que só me encontrariam no dia seguinte já morta. Mas não foi o facto de só me encontrarem de manhã que me perturbou. Foi o facto de não viver o dia seguinte. O facto de deixar tanta coisa por fazer. De a minha vida acabar ainda antes de eu ter feito alguma coisa com ela. Foi uma sensação terrível. A morte olhava para mim, sorria, e perguntava-me sarcasticamente se me sentia invencível. E mostrou-me como iria recordar o dia seguinte. O dia que já não iria viver. Era negro, era vazio. Era nada. Não o conseguia imaginar. Eu não o viveria. Mas o tempo não iria parar e todos os outros vivos continuariam a enfrentar as horas.
Sou muito nova e ninguém espera que eu morra durante a noite. Assim como ninguém espera morrer aos 20, ou aos 30, ou aos 40, durante uma conversa animada, durante o sono, durante um jogo de futebol, durante um sorriso. Só esperam morrer quem se sente doente. Só os doentes parecem ter direito a sonhar com a morte. Só os doentes é k têm o direito de a imaginar.
Neste filme o que mais me marcou foi a viúva (peço desculpa a quem não viu o filme). Como é que uma mulher jovem como ela poderia resistir à perda de um marido querido e amado e de duas filhas ainda tão pequenas por atropelamento? Quem é que pode compreender? É ela que diz que a vida não continua. Como seria possível continuar? A vida é tão fragil, pode-se perder num segundo apenas. E esta mulher, momentos antes de saber que o seu marido e as suas filhas estão mortas, ouve no seu telemóvel, com um sorriso carinhoso, uma mensagem do seu marido a dizer que está a caminho de casa, para lhe telefonar se for preciso, ouve-o até repreender uma de suas filhas por se estar a meter com um pombo. E ela sorri. Adora a sua família. Vive para ela. Ama-os tanto. E, descansada, desliga o telemovel e espera pelo regresso deles. Mas o telefone toca. E a sua vida parou.
Tudo isto para dizer como me doeu saber que aquela mulher que era tão feliz, que se estava a reconstruir, perdeu de um momento para outro as três pessoas mais queridas, sem qualquer razão, sem qualquer aviso. Tão frágil a vida, tanto dos que foram como a dos que ficaram.
21 gramas... É isso que valemos?

terça-feira, março 09, 2004

Dream Brother

there is a child sleeping near his twin
the pictures go wild in a rush of wind
that dark angel he is shuffling in
watching over them with his black feather wings unfurled

the love you lost with her skin so fair
is free with the wind in her butterscotch hair
her green eyes bloom goodbyes
with her head in her hands and your kiss on the lips of another
dream brother
with your tears scattered round the world.

don't be like the one who made me so old
don't belie the one who left behind his name
'cause they're waiting for you like i waited for mine
and nobody ever came

i feel afraid and i call your name
i love your voice and your dance insane
i hear your words and i know your pain
your head in your hands and her kiss on the lips of another
your eyes to the ground
and the world spinning round forever

asleep in the sand with the ocean washing over



Jeff Buckley

terça-feira, março 02, 2004

O Tempo é uma coisa engraçada. E assustadora para quem pensa nele. Hoje vou propor uma brincadeira. Que nem tem muita piada mas enfim... Vamos pensar nos nossos amigos, mas não ao nosso lado. Vamos imaginá-los em casa, com os pais, a jantar. Focalizem uma pessoa (eu não... assim não vale!) e imaginem.
O Fulano está sentado à mesa (se conhecerem a casa dessa pessoa, melhor). Tem os pais ao pé, e o irmão à frente. Imagina também o que estão a comer. E agora, o Fulano falou. O que ele disse? Imagina uma conversa entre ele e os pais. O que achas que ele diria? Qual seria a reacção dos pais? Espera! Como achas que o Fulano e os pais se dão, a sua relação? Se calhar não consigo transmitir o valor desta imagem. Tu conheces uma pessoa quando está contigo. Sabes as suas reacções a ti e ao teu grupo. Achas que essa pessoa é igual quando está em casa? A sua relação com os pais será igual à que tem contigo? As reacções, as respostas, serão dadas com o mesmo tom, o mesmo significado, a mesma intensão? Provavelmente não. E eu suponho que seja importante este tipo de "imaginação" para tentar saber.
Continuando o nosso jantar com Fulano... Imaginemos agora uma discussão. Primeiro que tudo, temos de arranjar um motivo. Ou será que Fulano discute sem motivos?... Quais seriam as reacções, as respostas, o volume da voz de Fulano? E já agora, dos pais e do irmão? Pronto, já chega de discussão (como será que se acalmaram?), vamos para outro ponto da casa. O Fulano está a ver televisão com o irmão, talvez, vamos supor. Qual será a posição do corpo? Que canal estará a ver? Será que vai brigar com o irmão pelo comando? Ou pelo jogo? Ou mesmo pelo lugar?!
(Para os mais criativos, podem imaginar o fulano na casa de banho... a fazer o que todos temos de fazer e que não deveria ser embaraçoso mas é...)
E agora, finalmente, vamos imaginar a parte mais importante. Vamos imaginar Fulano sozinho. Porque é que é importante? É importantissimo! É quando uma pessoa é realmente ela própria. Pensem em vocês e digam-me, pronto não a mim, mas a vocês, são totalmente iguais quando estão sozinhos e quando estão acompanhados? Nunca fizeram nada sozinhos que teriam muita vergonha se alguém vos visse? Não digo que estejam arrependidos, até porque há certas coisas que naturalmente devemos fazer com privacidade. Mas... serão a mesma pessoa? Imaginem agora,os vossos amigos, os vossos conhecidos, em casa, sozinhos. Pensas que sabes exactamente o que Fulano faz quando está sozinho no quarto? E imaginas o que ele pensa antes de adormecer?...

Apesar de tudo o que eu disse, o melhor é não imaginarmos ninguém. É invadir a sua privacidade, mesmo que seja só imaginação...

segunda-feira, março 01, 2004

A Manhã - Parte II

Talvez agora possa adormecer. Deslizo pela banheira e mergulho a minha cabeça, os meus cabelos, dentro de água. Pronto, não me moverei mais. Assim, sem respirar, sem poder respirar, e sem sentir necessidade disso, vou adormecer. Finalmente, o sono eternamente pacífico que custava a vir. Terei coragem para permanecer debaixo de água? O meu corpo não me pede nada, deixa-se estar assim, parado, a morrer calmamente. Parece que estou a sorrir, por tão obediente, mas não sei, já não sinto nada. Como a morte pode ser doce. E agora vou deixar de pensar para acabar com isto de uma vez. Adeus…adeus… água…

Cobarde! Cobarde! Mal sentes a cabeça a latejar e os pulmões a contrair, mal te sentes a implodir, a fugir, desistes, e agora, cobarde, debruçada para fora do teu destino, fora da banheira, tosses tuberculosa, tanta força para expulsares de ti toda a água que te envenenava, juntamente com a expectoração da doença que julgaste ter passado. Vem tudo atrás, sim, o escarro negro do alcatrão que o tabaco te impôs nos pulmões. Que nojo! Nojenta! Sou nojenta! Odeio-me! Afinal o que estou a fazer?! Suicidar-me só porque preciso de descansar? Sem razão, sem motivos. E lá fora, no quarto, dorme a minha melhor amiga que jamais sorriria como ela sorri se me matasse. Ela não merece, eu não mereço. Não me mereço, não mereço este corpo, este corpo não me merece, que ódio a este corpo feio e fraco que me prende, que me aprisiona à vida e ao mesmo tempo não me deixa sentir. Pedes-me demasiado, Corpo, e não me dás nada de volta. Odeio-te e quero fazer-te sofrer, novamente. Com estes olhos que me cegam, procuro o cigarro inacabado que deixei cair enquanto me enojava. Lá está, vês, Corpo?, espera que já o sentes! Com esta mão que me prende, vou alcançar o cigarro e sem hesitar vou fundir-te, Corpo, àquelas cinzas ainda ardentes. Ah, já sentes?! Pede-me agora alguma coisa! Cala-te! Deixa-me viver, liberta-me. Ou liberta este peso que me consome. Ardes! Assim como todas as outras marcas que tenho no braço, parecem rugir contigo num piedoso “Pára…” E eu paro, porque também me castigas. O teu braço, Corpo, esconde-o dentro de água onde ainda te arderá a pele durante um bom bocado. Eu, eu vou dar uma ultima passa no cigarro já apagado mas não… não consigo, largo-o para o canto entre a banheira e o armário e volto a ti, Corpo. Contorcemos sobre nós, arde ainda, tanto, sua parva, não o devia ter feito, desculpa. Eu sei… digo sempre o mesmo e repito o ritual pouco tempo depois. Desculpa, Corpo, tens que perceber, preciso de me aliviar desta dor. Dói-me por dentro, tanto, sabes disso não sabes?, preciso trocar dores. E assim, sinto. E sabes como preciso de sentir. Arde-me, mas sinto-me dependente deste ardor. Tenho de deixar-me disto, eu sei. Tenho que fazer as pazes comigo própria, desculpa-me. Tenho de me lavar… lágrimas…
Choro? Sim, estou a chorar. Que vergonha, detesto chorar. Mas preciso. Hoje vou deixar as lágrimas correr e enquanto isso, vou embalando-me para me acalmar. Fraca, fraca… fraca… Pronto, já passou, chora tudo e não deixes voltar.
Abraçada a mim própria, sentada na banheira com água, balanço-me, procuro consolar-me, enquanto os músculos da minha cara se contorcem e disformam. Os meus olhos estão tão cerrados de vergonha que as lágrimas parecem não conseguir sair. Um gemido tímido corre pela minha boca entreaberta. Choro por todo o meu corpo, não o vou evitar. O nó sempre presente que me sufoca a garganta precisa de ser libertado e agora é o momento. Chorarei tudo. Sairá tudo de mim. Lavarei toda a sujidade da minha cabeça, todo o meu negrume se dissolverá nesta água que me rodeia e que nunca mais me tocará. Preciso deste escape. Tudo o que me pesa fugirá de mim nestas lágrimas que se juntam ao banho.
Aos poucos, a minha face parece voltar à sua forma original, os músculos vão relaxando, vou-me esvaziando e acalmando-me. Já só os olhos se encontram cerrados, ainda lacrimejando mas parece que são já as últimas lágrimas. Lentamente, recosto-me na banheira, ainda agarrada ao meu braço, já não arde, não, mas a marca ficou lá. Respiro fundo três vezes, como a minha falecida avó me ensinou, para terminar o choro. Mantenho os olhos fechados.
Pronto, já passou. Vou agora ficar aqui só mais um bocadinho até me sentir confortável o suficiente para voltar ao tempo. A água ainda me beija, ainda me lava, ainda me acalma. Diz-me para descansar um pouco, agora que estou mais leve, diz que se encarregará de exterminar aquelas lágrimas, aquelas cinzas, aquela imundice. E eu relaxo os músculos da minha testa e tento sorrir, um sorriso amarelado, e agradeço à água. Felizmente ela esquece aquilo que se passou, quem me dera esquecer também. Mas não vou recordar, vou agora simplesmente descansar mais um pouco…
Começo a tremer. Só agora reparo que a água está fria. Aqui parada é natural que comece a ter frio. Tenho que sair do banho, já chega. Abro os olhos e só agora, olhando para o tecto branco por cima de mim, sinto a dor de cabeça que me trouxeram as lágrimas. Devagar, por causa das tonturas que esta dor me pode dar, levanto-me e saio da banheira. Automaticamente, alcanço a toalha que se encontra pendurada atrás da porta. Seco o meu rosto e, em seguida, o pescoço, os braços, o tronco, as pernas e, por fim, enrolo a toalha à minha volta. Quando me viro para alcançar a toalha do cabelo deparo-me comigo no espelho. Continuo pálida. Mas agora tenho os olhos muito inchados, as olheiras bem fundas e negras e o braço vermelho. O espelho olha-me com repreensão. Desvio o olhar, não lhe vou responder, também não me orgulho do que aconteceu à bocado. Não vou voltar a para admirar a minha fealdade, só me deprime e não quero que isso volte a acontecer.
Enquanto enxugo o cabelo, tenho a cabeça inclinada e observo a banheira onde estive. Só eu sei o que ali se passou. Eu e ela, e estas paredes. Mas, apesar disso, a banheira parece pouco se importar; ainda com a água e lágrimas, está tão calma, serena, parada. Será que aconteceu mesmo? Ah, sim… ali está o cigarro, não me posso esquecer de o enviar pela sanita para que a minha companheira não descubra.
Enrolo, por fim, a toalha à cabeça com o jeito que sempre faço. Tiro a tampa da banheira e a água começa a desaparecer pelo buraquinho. Pego no cigarro como se não fosse meu e atiro-o para a sanita, puxando imediatamente o autoclismo. Sem me deter, visto a roupa interior enquanto oiço a água a fugir pelo cano. Visto o roupão e ainda observo as últimas gotas a caírem pelo ralo da banheira. Adeus, Momento. Pego no pijama suado e preparo-me para sair da casa-de-banho. E, só agora, me detenho.
Com a mão no puxador e a roupa no outro braço, paro, por momentos. Vou voltar. Vou viver. Quando abrir esta porta a frescura desta manhã vai entrar aqui, vai cheirar-me, o tempo vai voltar a andar e eu vou voltar a viver. Como se estivesse a representar um grande filme de cinema, rodo devagar o puxador e vou abrindo a porta. Sinto-me como estivesse a deixar o local de um crime cometido por mim. Um crime hediondo e incompreensível. E cada vez se torna mais incompreensível, até para mim, ao abrir a porta da casa-de-banho.
A janela do fundo do corredor ilumina-o. Tanta luz, tanta vida mas paredes estáticas. Ao sair da casa-de-banho sinto o cheiro da manhã. Fresco. Doce. Agradável. Era até capaz de me pôr a sorrir. Como poderia eu não querer viver esta manhã que se apresenta tão bela? É tão bom estar viva.
Chego ao quarto entretida com estes meus pensamentos. O rádio está ligado, oiço uma música muito simples e muito agradável. Ideal para uma manhã aparentemente tão doce. O despertador supostamente desperta, mas esta musiquinha não consegue acordar ninguém, muito menos a minha companheira.
Atento agora nela. Ainda está na mesma posição desleixada de à bocado. Nada mudou no quarto. Apenas chegou mais luz e a música entrou. Em todo este descanso, sinto-me a mais. Olho para ela. Se soubesses o que aconteceu… perdoar-me-ias? Mas ainda bem que não sabes. Assim, é como se nunca tivesse acontecido. Assim, voltarás a sorrir-me e voltarás a mandar-me das tuas piadas e bocas criticas mas carinhosas.
Mas aconteceu. E isso vai-me atormentar durante uns tempos. Não foi só hoje, pois não?! Já não é a primeira vez que o faço e tenho sempre vergonha. Mas não deixo de o repetir. Tenho que me sentar. Na ponta da cama, de frente para a janela iluminada. Não o posso repetir, não me posso voltar a humilhar a este ponto. Acho que preciso de ajuda. E preciso de me perdoar. E, para isso, preciso de parar. Não o devia ter feito. Mas agora está marcado.
Ainda me dói a cabeça, já pouco mas dói. Preciso de descansar. Parece que o cansaço e o sono voltaram. Antes de me vestir vou só deitar-me aqui um bocadinho, vou descansar a cabeça. Não, não vale a pena pôr-me debaixo dos lençóis, é só um bocadinho, se calhar nem durmo, é só fechar os olhos. Estou cansada…
Deito-me sobre a cama, agarrada ao braço. E no preciso momento em que adormeço, a minha companheira acorda do seu doce sonho.

FIM

PS: Aconselho a leitura deste texto ao som da música Caramel de Blur. E, se possível, o momento 3min e 50 s da música estar no momento da pausa, dos dois parágrafos seguidos (depois de “Adeus…água…” e antes de “Cobarde! Cobarde!”) … Se não conseguir ler tão depressa (o que é muito provável…) é favor parar a música até chegar a esse momento porque se não não se sente o que se deveria sentir na altura...