terça-feira, setembro 09, 2003

Ensaio sobre o Choro – A história de uma lágrima
Tudo começa no estômago. Aquela vontade de chorar, aquele desejo de soltar umas lágrimas, essa vontade vem do estômago. Um rebuliço lá dentro, como se as próprias paredes do estômago se encontrassem e se emaranhassem. Um calorzito nesse local chama-nos a atenção.
Rapidamente, essa sensação sobe para o coração. Agora não é um emaranhado de tecidos, é só um calor mais forte. Parece que o coração se está a esforçar imenso e que está a libertar imensa energia. É isso que parece. É também aí que nos damos conta das razões do nosso desejo de chorar. É a energia que nos diz o porquê. Quando nos sentimos sozinhos, ou tristes, ou desiludidos, ou mesmo felizes (também se chora de alegria), tudo isso é aí transmitido.
Se a nossa vontade chega à garganta, não há muito mais que possamos fazer para o evitar. Sente-se um nó na garganta, mas um nó com aquelas cordas grossissimas que nos arranham a garganta. A corda é tão grande que nos ocupa toda a garganta. É aí que a nossa voz se modifica. É por causa da corda que se une às cordas vocais e as faz vacilar. A nossa voz treme e quem nos ouve percebe que vem aí chuva... Ainda estamos com o nó a meio da garganta, mas, à medida que falamos ou que revolvemos na nossa mente o nosso propósito, o nó vai subindo até se emaranhar com a língua, quase que se pode ver o nó de boca aberta. Mas o nó não vai subir mais. Agora é a vez dos olhos.
Antes de mais, têm de ficar vermelhos. Não dura muito tempo, essa pintura. Logo depois, a nossa visão fica distorcida pela água que nos envolveu os olhos. Mais brilhantes que nunca, os olhos vermelhos, envoltos em água que não escasseia de entrar por eles adentro, começam a aglomerar gotículas de água nos cantos. Depressa teremos uma grande gota de água a que chamamos de lágrima. É uma acomulação de um líquido com cloreto de sódio ao canto do olho. Agora só temos duas hipóteses. A primeira, se ainda tivermos com esperança de não chorar, é aguentar essa lágrima ao canto do olho, esperar que o resto da água sece e mais cedo ou mais tarde a lágrima recuará. É difícil. Mais vale seguir a segunda hipótese. Deixar a lágrima escorrer.
Quando a água for em demasia e a lágrima for pesada, escoará pela nossa cara rosada. Se estiver no canto mais próximo do nariz, segue o carreirinho já sinalizado na nossa cara. Encosta-se ao nariz, segue ali aconchegada até às narinas. Se a nossa respiração já estiver ofegante, pode ser que entre por elas adentro mas não é um caso preocupante, não damos conta porque o nosso nariz também já foi atingido e já estaremos agarrados ao lencinho para limpar a agua que agora também escorre do nariz. Por isso, a lágrima passará desprecebida. Mas imaginando que não temos a respiração ofegante, a lágrima seguirá a caminho do canto da boca onde também poderá refugiar-se e entrar. Se isso não acontecer, seguirá caminho até ao queixo onde cairá por fim no nosso colo.
Se a lágrima se encontrar no canto mais perto do ouvido, também seguirá um caminho já escolhido. As nossas bochechas estarão contraídas para que as lágrimas saiam dos olhos. Assim, a lágrima percorrerá a nossa bochecha, limitando-a. Escorrerá encostada à bochecha, chegará ao queixo e novamente será liberta para o nosso colo (se estivermos sentados...).
Por vezes uma lágrima formar-se-á no centro do olho. E escorrerá pelo meio da nossa cara. Entrará no domínio da bochecha e segue um caminho novo, criado naquele momento. Um afluente que é o mais evidente quando nos veêm chorar. Como é mais raro, também tem um significado mais profundo, não é qualquer um que chora e que consegue que uma lágrima escorra pelo meio da sua bochecha. Por isso, vale a pena valorizar. Se não fosse a tristeza que nos manda chorar, eu até poderia dizer que encontrava alguma beleza neste rio que acaba de nascer. Chegará, como calculamos, ao nosso queixo e cairá. Por vezes, algumas lágrimas ficam penduradas no nosso queixo mas se nos mexermos muito elas acabarão por cair.
Há quem não aguente a sensação da lágrima a percorrer-nos externamente. Por isso, mal ela se acomoda no canto do olho, lançam a sua gorda mão sobre o olho e procuram retirá-la e esquecê-la. Como uma esponja. Mas as lágrimas são diferentes de uma gota de água normal. São muito maiores por dentro do que por fora. Por isso, ao contrário de uma gota de chuva, que rapidamente secamos com a nossa mão, a lágrima não secará. A lágrima será arrastada ao longo da face e molhará a cara toda. A mão,desta vez, não é uma esponja, é um pincel. Passamos a mão mais duas, três vezes sobre a cara mas a lágrima parece estar presa à pele e dificilmente a secaremos. Por isso não aconselho este metodo para quem quiser esconder a sua ferida emocional.
Quais os efeitos secundários do choro? Se tudo correr bem, será um alivio. A sensação que se foi instalar na garganta desaparecerá passado um bocado e só daí a uns tempos é que poderá voltar. Por vezes essa sensação não desaparece. Para isso eu aconselho uns bons berros. Com a idade temos a tendência para ter um choro mais silencioso e isso não é muito bom. Queremos que ninguém nos veja ou perceba que estamos a chorar, é muito infantil. Não o é! Podemos ficar muito ridículos a chorar mas é um momento naturalíssimo na nossa vida e não o devemos evitar. Por isso, se o nó nos quiser fazer gritar BUUÁÁÁ!!! então que se grite porque senão aquela sensação de desejo de choro não passará. Eu sei que depende muito da situação mas sempre que possível, não deixem a garganta contraída com medo de ser ouvida.
Durante o choro podemos ficar com a respiração ofegante, como já foi referido. Se estivermos a gritar, ou a libertarmos o ar que temos na garganta num som abafado(como muitos fazem para substituir o grito, em vão...) temos de inspirar para darmos mais folêgo a esta libertação. Muitas vezes deixamos de controlar essa respiração e inspiramos vezes seguidas até o peito estar completamente cheio. Ninguém consegue esta proeza (de respirar aos solavancos) se não estiver a chorar. Como também já referi, o nosso nariz também é apanhado. Como está no meio dos olhos, a água que está à espera de ser libertada poderá recorrer a uma via alternativa e seguir pelas fossas nasais. Não sei porquê mas estas águas que poderiam ter vindo a ser lágrimas, quando escorrem pelo nariz, chama-se ranho ou pingo. É um nome muito feio, ranho, mas enfim, eu estou apenas a escrever um ensaio sobre o choro. Todos conhecemos a expressão “chorar baba e renho” e por isso é que estou a falar nisto. Também é verdade que, quando o choro é muito grande, podemos começar a babar-nos. Mas é completamente normal, somos seres humanos e é assim que mostramos a nossa tristeza, por isso nada de ficar envergonhado com a baba ou o renho.
Por vezes também trememos as mãos que muitas vezes colocamos sobre a nossa cara para escondermos as nossas lágrimas, as nossas expressões faciais e a nossa ofegancia. Por falar em expressões faciais... Normalmente cerramos os olhos com alguma força, as sobrancelhas podem encostar-se aos olhos ou podem desenhar um “S” caído na nossa testa, as nossa bochechas sobem, a nossa boca abre-se ligeiramente e os cantos da boca viram-se para baixo. Os musculos faciais contraem-se para ajudar as lágrimas a sair.
Claro que existem choros mais pacificos, onde uma unica lágrima aliviará, naquele momento, a necessidade. Existem diferentes tipos de choros, uns normalmente silenciosos (não provocados ou abafados), outros histéricos, uns hesitantes, outros despercebidos.
Quais as razões desta necessidade de chorar? Normalmente, é tristeza. A morte de alguém, uma despedida, uma desilusão em relação a pessoas ou a si mesmo, uma descrença perante a vida e o futuro, ou coisas (aparentemente) mais superfíciais, uma derrota num jogo de futebol, uma nota mais fraca que a esperada, os nossos pais não nos querem comprar aquela goluseima,etc. Existe também a raiva, o odio que nos fazem chorar. Quando estamos muito zangados com alguém podemos libertar todas essas energias negativas com um choro, este mais silêncioso onde as lágrimas escorrem friamente pela face enquanto a nossa cara mantém uma expressão de raiva. Podemos chorar por causa de nervos ou de medo, por causa de uma dor física, uma queda, uma ferida, um osso partido, uma dor de cabeça. Só um parêntesis: gostava ainda de perceber porque choramos quando nos doi a cabeça. Cansamo-nos dessa dor mas, ao chorarmos, essa dor vai aumentar... Podemos chorar por admiração, por encantamento, pela beleza de algum cenário, paisagem, filme, música, teatro, etc. Podemos chorar de espanto, de alguma novidade que jamais pensamos ser possível (um choro com um sorriso). Também podemos chorar de rir apesar de a única parecença com os choros anteriores ser as lágrimas porque nem sequer existe aquela sensação na garganta, limita-se tudo aos olhos onde, muitas vezes, só quando temos a cara já molhada é que nos apercebemos que estamos a chorar de rir. Mas agora, pergunto, será que podemos chorar sem razão?! Será possível chorarmos apenas porque aquela sensação na garganta apareceu? Eu penso que sim apesar de não perceber bem porquê. Neste tipo de choro não existe a sensação estomacal ou no coração (se não há razão, o coração não nos poderá dizer nada...).
Para concluir, gostava de dizer umas palavras sobre o significado do choro. É uma das reações do corpo que nos une à mente. À excepção do choro sem razão e do choro por dor física, todas as lágrimas têm uma razão psicologica e, para isso, tem que haver pensamentos sobre o assunto. As lágrimas são bonitas porque contêm muita emoção e muitos pensamentos. São redondas, gordas, cheias de alma. E falam. Quando alguém vê outra pessoa a chorar poderá ficar também com vontade de chorar, apenas por ver aquelas lágrimas. Ficará também triste, essencialmente quando conhece o dono das lágrimas que observa.
O choro serve para lavar a alma. Muitas pessoas não percebem isso e evitam chorar. Percebo que não se queira chorar em público, quem nos vê não poderá perceber o porquê daquelas lágrimas mas eu aconselho todos a chorarem. E lanço uma praga a quem disse que “os homens não choram” porque os homens não são de ferro e podem ter momentos de fraqueza quando quiserem. A almofada é sempre uma boa companhia para as lágrimas... Unam-se tristes deste mundo, num choro colectivo onde as nossas lágrimas se unirão todas num rio que apagará a nossa dor de vez...

1 comentário:

Anónimo disse...

Tive alguns problemas hoje, e enquanto os relatava para um amigo no msn, comecei a chorar... e o nariz danava a escorrer. Por curiosidade, procurei no google "porque ao chorar nosso nariz escorre", e um dos sites selecionados foi o seu.
O seu texto é lindissimo. Parabéns! Chorar é mesmo uma limpeza da alma, e necessário para levar-mos a vida adiante.
Adriana Mendes.