sábado, junho 25, 2005

Que imagem! Ali estava ela, demasiado discreta para não reparar nela. Tinha entrado na livraria à procura de um livro que há muito prometia a mim próprio e deparei-me com a melhor poesia que podia esperar. Pela escolha das prateleiras no meio das quais se tinha escondido, soube logo que era uma verdadeira leitora, uma amante de literatura e não de apenas histórias de encantar. Estava entre Mário Dionisio e Florbela Espanca, lá ao fundo, sentada no parapeito baixo da janela, curvada sobre o livro. A livreira não a via certamente e, mesmo se visse, de certeza que não a incomodaria. Trazia uma saia castanha que, tal como o casaco demasiado quente para a época, parecia muito pesada. Mas toda a sua roupa que não consigo descrever em condições criavam-me um fascínio ainda maior por aquela personagem. E depois... a forma como segurava o livro, apoiado nos joelhos, a pouco mais de um palmo dos seus olhos. Devorava-o, amava-o, os seus olhos brilhavam tanto, perdidos completamente nas palavras, com um sorriso tímido de prazer. Não sei porque veio aqui parar. Se fosse poeta, diria que acordou com pensamentos perturbadores, que não se sentiu bem na sua vida, nas suas obrigações e no seu tempo e fugiu para aqui. É o que leio na sua expressão. Fugiu para a vida de outra pessoa, de outra personagem, para uma vida tão comum como a dela, mas certamente mais fascinante para si. Naquele momento esqueceu-se, saiu de si e estava bem. Parece que escolheu bem o livro, está a adorar. Tenho curiosidade em saber que livro era. Não era muito grande, mas o seu formato e as folhas que a rapariga carinhosamente passava dava para perceber que era especial. Os seus dedos passeavam deliciados pelas palavras, sentiam a tinta e a textura do papel. Penso que nunca vi ninguém tão feliz a ler. Não tive coragem de a acordar para saber que livro era aquele. Fiquei um tempo a observá-la, sorri e saí da livraria. Esqueci-me do livro, mas a poesia trouxe-a comigo.

1 comentário:

Anónimo disse...

:) bonita...ela é muito bonita mesmo. pena ser pouco provável que o saiba ou o venha a saber. talvéz um dia olhe para o sítio certo e nos veja, nós os espias, os admiradores, imóveis e tensos, desejando ser observados secretamente também.