Lembro-me bem de como era estar do lado de lá, quando eram os meus dedos nas cordas. Pergunto-me se quem hoje toca para nós tem desmontada a canção tal como eu tenho todas aquelas que construímos na altura.
Primeiro aqueles quatro tempos, em que os dedos permanecem nesta posição, neste compasso, neste movimento repetido. Depois somaremos os graves. Segue-se o bloco dos acordes completos, um dois três quatro, muda. Repete. Prevejo a distância do fim, quando mais ninguém na sala o conhece para além de nós, os criadores. Desenleamos o som num fio que cada um de nós não consegue escutar, não individualmente, não enquanto permanecermos neste posto de desenleio. Oiço as minhas entradas, o compasso, sigo a linha por onde tenho de escrever com cuidado e pormenor. Oiço até cada nota ao lado, cada tropeção de dedos, cada som abafado. Chego ao fim e respiro. Não escutei nada mais que as partes. Não conheço o todo. Saberei um dia ouvi-lo depois de o desmontar assim?
Hoje, concentro-me, não quero apenas a soma das partes. Hoje, que não tenho os dedos nas cordas, guardo-me o privilégio de conhecer o todo.
Sem comentários:
Enviar um comentário