domingo, fevereiro 25, 2007

Cara - ,
Estou só e cansada e preciso de falar. Já ninguém me ouve há algum tempo. Tenho estado calada, bem verdade. Mas não me vês agora ansiosa por uma conversa prolongada? Tu, que me vais ler quando tiveres tempo, não me vais interromper agora em que direi o que me lembrar.

É difícil estar só. É muito difícil querer ser alguém completamente diferente. E não falo de como todos somos diferentes e iguais, em que parece existir um pote de características comuns de onde retiramos as nossas e cuja combinação nunca será igual a de mais ninguém. Não. Peguei em algo original. E, condenada por isso, sinto-me só. Não escolhi nada, sou assim. Quis mudar, mas apenas o impulso basta para me enojar. Não há como fugir a mim. E não há como viver assim.

É tão frustrante para mim escrever sempre com as mesmas palavras. Li certo dia que usamos apenas cerca de 300 palavras no nosso vocabulário. Os meus textos não são mais que uma composição dada dessas mesmas 300 palavras, possivelmente ainda menos. É por isso que às vezes me sinto tão pobre. Qualquer um pega em palavras como "ti", "comigo", "pensar" ou "sentir" e escreve um bonito texto porque, ao ser o mais geral possível, maior é a possibilidade de quem ler interpretar de uma maneira agradável para si. Sou simples e sou oca, diz-me a palavra.

Lembro-me dos primeiros tempos da nossa amizade. O fascínio, a velocidade com que trocava de sentimentos por ti, o entusiasmo, a novidade, a surpresa. Queria poder contar-te tudo de novo, como te fiz ao princípio em que me despi depressa enquanto sorria, tão tola, por conseguir. Admirei-te por me teres feito amar-me. Mas passou. Sinto isso hoje. Já criei as minhas barreiras para ti, já me olhaste desconfiada e incompreensível. Já me embaraçaste. Já não me procuras. Já não precisas de mim. Já não sabes que este texto é para ti. Não te posso perder. Devolve-me os olhos fundos e o sorriso tentador. Preciso de me voltar a sentir fascinante.

Perdoa-me a falta de senso de todo este texto. É muito tarde para mim e vim de um sitio que não me pertence. Estava lá gente minha, mas o meio não me serve. Cheiro a esse lugar nas mãos e nos cabelos, espero que não me perturbe o sono que já pesa em mim. Até breve, espero, um grande abraço que nunca trocámos para ti,

Laura

(Repara na quantidade de vezes que usei as palavras "mim" e "ti" nesta carta. Mas descanso porque isto não é poesia nem prosa, são frases mal apagadas da cabeça estoirada. Não quero ser poeta aqui.)

1 comentário:

Atlas disse...

adorei a forma como exploraste a inevitabilidade de repetir (in)conscientemente as palavras que adoptamos do dicionario...
e recursos vagos e polissemicos sao sempre uteis para alcançar o maior numero de pessoas...
resta tentar produzir um texto com sentimento... esse sentimento tratara de eliminar a pobreza semantica, nao?
adorei...