Perdi-me, de novo. Desta vez trouxe-te comigo. Deixámos de ser aquilo que alguma vez sonhámos ter sido. O corpo abandonou-nos, recusou a nossa ingratidão. Não faço ideia onde nos veio deixar nem sei o que sobrou de mim, não encontro nenhum espelho hipocrita por aqui. Só compreendo o frio e a luz que nos provoca. Não sinto o meu corpo, afinal sempre me abandonou, não sei o que me define e limita. Talvez seja esta a libertação que sempre lhe implorei, mas não sabe a vitória. Sabe a desamparo. Não tenho lábios para sorrir, mãos para tocar, gestos para dançar. Não sei o que me resta. Desculpa, não queria que me visses assim, afinal, inexistente. Desculpa-me por te ter trazido, mas não te conseguia largar. Foste o meu não-corpo. Agora, reparo em ti, vejo-te atordoada, caída, com o teu olhar fixo no nada onde surgimos - sim, o olhar ficou connosco, ao menos isso, porque também faz parte desta alma que nos resta - . Não te queres mover, não me queres fitar. Sabes que estou aqui, sempre estibe, mas hoje vais-me envergonhar com a tua indiferença perante o meu arrependimento. Quero abraçar-te, envolver-te, arrepender-me novamente com um suspiro no teu ouvido. Mas não temos corpos para que o sintas e eu ainda não sei lidar com o facto de não ser matéria. "Olha para mim." imploro-te, esta distância que nunca tivemos destroi-me. Lentamente, ergues o olhar para mim, fixas-me, encontras-me (e eu que estava perdida) e, passado um largo momento em que me lamentas, dizes, na tua voz inaudível mas certa: "Chegámos".